São Paulo, sábado, 27 de julho de 1996
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Joy Division sobrevive em "Carícias Distantes"

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Para parte de uma geração que sempre preferiu discos a livros, o compositor inglês Ian Curtis, que se suicidou há 16 anos, foi Rimbaud, Byron e Baudelaire. Menos, como prova o livro "Carícias Distantes", para sua mulher.
Lançado no ano passado na Inglaterra (o Brasil recebe agora uma edição Portuguesa, da editora Assírio & Alvim), o livro de Deborah Curtis conta a trajetória de Ian e sua banda, o Joy Division.
Na Inglaterra dos anos 80, o grupo foi uma espécie de mártir de centenas de jovens que descobriram, depois do surgimento do punk, que, quase literalmente, todo mundo era uma estrela.
Depois dos Sex Pistols, um típico garoto inglês descobria a possibilidade de vencer o desemprego, as noites alcoólicas e a infelicidade amorosa gravando um disco em uma das incontáveis pequenas gravadoras que surgiam pela ilha.
Com azar, sobraria uma canção para escutar junto aos amigos. Se tivesse mais sorte, seria notado pela indústria de fabricar ídolos. O Joy Division foi um exemplo do segundo caso.
Em um cenário de ruídos e microfonias, resultado de um total despreparo técnico -o "faça você mesmo" se contrapondo ao método e estudo-, quase não havia distinção entre os vários grupos que se apresentavam semanalmente nos claustrofóbicos clubes ingleses.
No meio de toda a barulheira, Ian Curtis introduziu o impensável: versos românticos.
Um romantismo, ainda que sua educação em Manchester não fosse diretamente responsável (Curtis era produto atípico da classe operária da cidade), que se aliava à tradição da grande poesia britânica.
Sua criação era primária, mas em consequência de suas composições o espírito da autoflagelação gótica, o tédio e a angústia permaneceram semanas nas paradas.
Egoísta
O que Deborah Curtis pretende com "Carícias Distantes" ("Touching from a Distance", no original) é colocar em foco essa imagem de poeta suicida, morto aos 24 anos, que Curtis terminou legando para si mesmo.
Em 197 páginas -na versão portuguesa-, sua tarefa é a da destruição. Seu marido emerge como um punk no senso comum: violento, egoísta e possuidor de uma raiva incontrolável.
Curtis teria se matado não porque seu espírito o fizesse escrever "quando a rotina magoa muito/E as ambições se apagam/Então o amor, o amor nos destroçará novamente", mas sim por se sentir culpado por ter uma amante, sofrer de vergonha pela epilepsia e dar pouca atenção a sua filha.
Há então no livro, que traz várias fotos de Curtis, inclusive de seu casamento aos 19 anos, um tom de denúncia, de lamúria. Mas o objetivo de sua autora não é alcançado: a imagem romântica permanece.
Outra importação portuguesa sobre o Joy Division é "Antologia Poética - Ian Curtis/Joy Division", uma edição bilíngue com todas as canções de Curtis.
O livro estava fora de catálogo em Portugal e, em nova edição, traz agora textos inéditos e inacabados do "poeta de Manchester".

Livro: Carícias Distantes/Antologia Poética - Ian Curtis/Joy Division
Autor: Deborah Curtis
Preço: R$ 32 e R$ 27
Distribuição: Livraria Portugal (r. Genebra, 165, tel. 011/604-1748; fax: 011/232-2071

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