São Paulo, domingo, 28 de julho de 1996
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Líder zapatista produz CD-ROM

MARTIN LANGFIELD
DA "REUTER" EM LA REALIDAD, MÉXICO

No meio da mata verdejante da selva Lacandona, no Estado mexicano de Chiapas, o líder dos rebeldes zapatistas, "subcomandante Marcos", fala em guerra, política e -surpresa!- CD-ROMs.
"Estamos preparando um CD-ROM, um espaço como a visita ao Museu do Louvre, só que vai ser uma visita à selva Lacandona", disse ele, dando uma baforada no cachimbo que é sua marca registrada e ajustando seu capuz preto sobre a espessa barba castanha.
O anúncio do mais recente projeto de mídia dos rebeldes, feito durante uma entrevista de duas horas à "Reuter" no meio da selva, nas proximidades da vila de La Realidad, no último dia 21, realçou sua disposição de usar novas tecnologias para divulgar sua causa.
Os zapatistas usaram correio eletrônico para divulgar as reivindicações principais de seu levante do dia 1º de janeiro de 1994 -maior democracia, direitos dos indígenas e reforma agrária-, e criaram uma home page na Internet.
Marcos disse esperar que a reunião internacional que começou ontem em La Realidad, 200 km a sudeste da cidade de San Cristóbal, em Chiapas, ajude os zapatistas a expandir sua base de apoio e influência no resto do mundo. "O fato desta primeira reunião ser possível significa para os zapatistas uma espécie de prova de que suas palavras foram ouvidas em nível internacional", disse.
Segundo o líder zapatista cerca de 2.000 pessoas, incluindo delegados das Américas, Japão, Austrália, Filipinas, Mauritânia e África do Sul, além de mais de 500 mexicanos, devem participar da reunião, intitulada Encontro Intercontinental pela Humanidade e Contra o Neoliberalismo. "Pense no evento como um grande encontro dos excluídos", disse ele.
Os zapatistas estão mantendo conversações de paz com o governo do presidente Ernesto Zedillo e montaram uma base de operações nas proximidades de La Realidad, um povoado distante que, como muitos outros na região, não tem luz elétrica nem água encanada.
As ordens de prisão dos líderes zapatistas estão suspensas enquanto prosseguirem as conversações, que já duram 16 meses.
Ridicularizado por seus críticos como sendo um radical esquerdista não-assumido, um egoísta interessado em se autopromover e um branco paternalista que induziu as comunidades indígenas maias de Chiapas ao uso da violência, Marcos disse que se vê como uma ponte entre o mundo indígena e o mundo urbano no México.
Marcos tem sido elogiado pela eloquência e senso de humor de seus escritos, cujo conteúdo e forma teriam sido influenciados pelas línguas maias que aprendeu.
"Quando as línguas maias são convertidas ao espanhol, o resultado não é um espanhol normal, mas uma coisa muito estranha, muito nova, muito rica."
Indagado sobre sua participação recente num programa da MTV em espanhol e sobre o convite que recebeu da Benetton para participar em uma de suas campanhas publicitárias -proposta esta que rejeitou-, Marcos disse: "Trata-se de um equilíbrio. Precisamos oxigenar as comunidades... podemos fazê-lo assumindo o risco de que uma figura -a de 'Marcos'- seja erodida, trivializada, transformada no alvo de caricaturistas".

Tradução de Clara Allain

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