São Paulo, quarta-feira, 31 de julho de 1996 |
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Biografia vai às origens do Clube da Esquina
MARCELO RUBENS PAIVA
O subtítulo "Histórias do Clube da Esquina" indica o tema narrado -a trajetória dos mineiros que ocuparam o cenário musical brasileiro nas décadas de 70 e 80. O Clube da Esquina poderia ser conhecido como "A Turma do Levy", edifício em Belo Horizonte onde viviam os irmãos Marilton, Márcio e Lô Borges, além de Milton e Wagner Tiso. Em 1964, Milton, "Bituca", tinha 20 anos e era datilógrafo. No quarto de beliches dos irmãos Borges, iniciou a parceria com Márcio. Era onde o Evolussamba (Milton, Marilton, Marcelo Ferrari e Wagner Tiso) dava os primeiros acordes. O cinema servia de matéria-prima -Borges trabalhou como crítico no "Diário da Tarde". Ele e Milton compunham depois dos filmes. "É preciso viver perigosamente até o fim", a frase de Jean-Paul Belmondo em "Acossado", de Godard, era lema. Deixaram músicas como "Tarde" e "Vera Cruz". Borges foi o primeiro parceiro de Milton, "Quixote Preto e Sancho Branco", e seu melhor amigo da juventude. Parou de compor nos anos 80 e agora vive em um sítio na região "alternativa" de Mauá (RJ). "Onde tem juventude acampada, sou lembrado", ironiza. O livro, com prefácio de Caetano, será lançado na Bienal. O autor falou a Folha por telefone de BH. * Folha - Por que Clube da Esquina, e não do Prédio Levy? Márcio Borges - Realmente, a turma está mais para o prédio que para a esquina. Mas era também um clube de meio-fio, uma turma de músicos amadores, de uma cidade, na época, pequena e provinciana. Tocávamos na rua por não haver muitas opções e espaços. Folha - Quão forte era a ligação música e cinema? Borges - Todos queríamos fazer cinema. Acho que fizemos música, pois era mais barato. Víamos um filme e fazíamos uma música. Meu sonho era fazer um filme para o Bituca atuar e compor a trilha. Folha - O bar que vocês frequentavam, Bucheco, parece cenário de um filme de Godard. Borges - Tudo tinha uma referência existencialista. Alguns, como eu, militavam nas organizações de esquerda. E o Bituca transitava nesse meio universitário, apesar de já ser formado. Seu primeiro público foi o universitário. Folha - O regime militar marcou a música dos mineiros? Borges - Toda época tem sua figura de linguagem. Se não fosse a ditadura, a censura, não teríamos tantas metáforas. Tínhamos muito medo. E provocávamos ele, como seguir de carro um camburão, fumando um baseado. Era difícil a opção ser herói ou viver em paranóia. Decidi viver na paranóia. Folha - BH fervia nos anos 60? Borges - Acho que o espírito revolucionário confunde-se com a história de Minas Gerais. Nomes que são hoje nomes de rua foram heróis libertários. Como diz o Caetano, "Minas sabe esperar o caldo engrossar". Ao mesmo tempo, é um Estado conservador. Folha - Você dá indícios, no livro, de que Milton sofria preconceito racial. Isso era visível? Borges - Só em Três Pontas, onde proibiam ele de entrar no clube da cidade. Folha - No início, você e o Milton fizeram um pacto de uma dupla eterna, até surgir Fernando Brant. Ficou com ciúme? Borges - Claro. A primeira música deles foi "Travessia". E eu tinha umas 20 músicas, nenhuma tão boa quanto. Mas o Brant melhorou os dois, trouxe poesia, enquanto eu e Milton pensávamos só em revolução e cinema. Folha - Por que você parou? Borges - Fiquei desgostoso com o meio. Detesto os executivos das multinacionais, carreiristas sem caráter que só pensam em dinheiro e em explorar o artista. Folha - O Milton leu os originais. Sugeriu alguma mudança? Borges - Ficou emocionado. Fez uma viagem no tempo. Passei dois dias na sua casa. Foi um acerto da memória e de semelhanças. Folha - Ainda te chama pelo apelido "Das Baixínhans?" Borges - O Milton era muito engraçado. Foi perdendo o humor com o tempo. Folha - O que tem na água de Minas para gerar tantos músicos? Borges - Acho que está no sangue. Mineiro gosta de banda. Tem as serenatas, as vendedoras de rua que cantam lamentos tristes. Próximo Texto: Em Minas o caldo engrossa, o tempero entranha Índice |
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