São Paulo, quarta-feira, 31 de julho de 1996
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CÂMBIO NO MERCOSUL

São notáveis os resultados já alcançados pelo Mercosul no incremento dos fluxos de comércio.
Segundo os últimos dados disponíveis, o Mercosul já chega a absorver cerca de 22% das vendas externas do Brasil. Entre os maiores importadores de produtos brasileiros, a Argentina ocupa lugar relevante, com destaque para as autopeças.
Na Argentina observa-se uma importância comparável. As exportações para o Mercosul no ano passado atingiram mais de 30% das vendas externas do país, enquanto as importações do bloco somam 20% do total.
Tem sido crescente a sinergia entre empresas da Argentina e do Brasil, as duas maiores economias do Mercosul e da América do Sul. Em resumo, pode-se dizer que há um sucesso notável do projeto de integração regional no que se refere à sua "microeconomia", que diz respeito às decisões empresariais.
O Brasil, não é segredo, tem sido um dos mais entusiasmados defensores da criação de uma área de livre comércio em toda a América do Sul. Ontem mesmo, o ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampréia, reafirmou essa intenção e chegou a fixar 1997 como data-limite para um acordo de toda a região.
Assim, ao lado dos avanços "micro" ou empresariais, há um firme progresso no campo diplomático.
Pode-se dizer, porém, que esses sucessos carecem de pelo menos duas condições da maior importância. Uma é a construção efetiva de instituições supranacionais. O Mercosul é hoje sobretudo um processo de negociações entre governos, mas ainda não conta com uma identidade própria como instituição regional.
Outra carência fundamental é macroeconômica. Dificilmente haverá integração regional consistente e duradoura se os sucessos microeconômicos, diplomáticos e institucionais estiverem ameaçados por incertezas fiscais, financeiras e cambiais.
Não se pode, entretanto, afirmar que esse terreno esteja virgem. As consultas mútuas têm sido frequentes, e a queda do ministro Cavallo foi mais um exemplo. O governo brasileiro foi o primeiro a saber.
O próprio Cavallo já sugeriu que o ideal seria a convergência entre os sistemas cambiais do Brasil e da Argentina. Não é para agora, nem talvez para breve, mas a lógica do Mercosul sugere que o horizonte macroeconômico regional será mais consistente quando os regimes de câmbio forem compatíveis. Assim, poderíamos em algum tempo ter uma "banda cambial do Mercosul".
O desafio imediato do novo ministro da Economia argentino, Roque Fernández, é de ordem fiscal. Eliminar subsídios, melhorar o controle dos gastos públicos e reformar o sistema tributário são alguns dos caminhos do ajuste fiscal que, de resto, é igualmente urgente no Brasil.
Ao mesmo tempo, é evidente que a sociedade argentina exige agora políticas consistentes com maior crescimento econômico. Mas é difícil crescer sob o atual modelo de câmbio fixo. A flexibilidade do sistema de bandas cambiais, adotado no Brasil, abre ao menos em tese um horizonte de maior crescimento, se houver um ajuste fiscal compatível com taxas de juros declinantes ao longo do tempo.
Para a Argentina, abandonar de modo ordenado e com apoio externo a camisa-de-força do câmbio fixo é hoje uma das precondições para crescer mais, sem abrir mão da estabilidade arduamente conquistada.
Somadas as reservas internacionais de Brasil e Argentina, é possível imaginar um sistema regional de bandas cambiais bastante seguro. E o FMI, aliás, apóia modelos de banda cambial em vários países, como ilustram os casos da Venezuela e da Rússia.
A convergência macroeconômica entre Brasil e Argentina é difícil, mas nunca se esteve tão próximo de avançar em sua direção.

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