São Paulo, quinta-feira, 1 de agosto de 1996
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Costa abriu horizontes para o teatro

MAURÍCIO PARONI DE CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Mas esperai, santíssimos: eu não tenho certeza de ser boa. Gostaria de ser, mas como pagarei meu aluguel? Por isso vos digo: eu vendo para poder viver, mas não ganho o suficiente, porque muitas precisam fazer a mesma coisa." Bertolt Brecht, "A Alma Boa de Setzuan"

Esta fala, interpretada por Maria Della Costa com direção de Flamminio Bollini, em seu teatro no início dos anos 60, descreve uma prática da qual ela virou símbolo: não trabalhava no teatro. Trabalhava pelo teatro.
Essa continua sendo a diferença fundamental entre os atores brasileiros e a maioria dos atores europeus e estadunidenses.
O ator brasileiro participa e possui os meios de produção (sejam quais sejam) que possibilitam o próprio espetáculo.
Brook e Kantor
Brook e Kantor valeram-se dessa prática depois de consagrados, mas sem serem obrigados. Estavam amparados por uma política cultural que lhes permitiu uma escolha, e nisso está incluída a formação dos atores.
No caso de Maria Della Costa, do seu teatro e, durante o período militar, do hotel Koxixo, que construiu com Sandro Polloni, a obrigação virou competência profissional.
Isso gerou contatos institucionais com entidades do porte do Berliner Ensemble, abrindo enormes horizontes culturais para o nosso teatro.
A rigor, o teatro brasileiro hoje possui ainda esse esquema produtivo, com o agravante posterior de ter formação de profissionais e público quase ausente.
Publicidade banal
Ninguém mais se preocupa com formação de público, mas com uma publicidade banal, ditada pela ausência total de noção de valor estético da parte da maioria dos patrocinadores.
Para aperfeiçoar um sistema assim desastrado, é necessário dinheiro investido na preparação de quem irá administrar a cultura, pelo próprio bem do mercado cultural.
Maria Della Costa não foi a única a atuar com sucesso nesse modelo produtivo, mas foi uma das raras artistas a vencê-lo.
Reflexão
A reabertura do teatro Maria Della Costa é uma ótima oportunidade de reflexão concreta sobre a presente situação.
Mesmo porque, para que se consiga interpretar decentemente falas puramente comerciais, é preciso que alguém com preparo produtivo e cultural adequados crie aos artistas condições para que possam trabalhar com seriedade e tranquilidade.
Um ator completo não se forma sem isso. E sem atores completos jamais teremos o salto de qualidade que o teatro brasileiro está por merecer.
Teremos Shakespeare formato novela, perderemos na cultura e no mercado.

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