São Paulo, sábado, 3 de agosto de 1996
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Hipólito e Barbosa Lima são medalhas de ouro

ANTONIO CALLADO
COLUNISTA DA FOLHA

Daqui a seis meses -no dia 22 de janeiro de 1997 para ser exato- o jornalista e homem público brasileiro Barbosa Lima Sobrinho completa 100 anos de idade. E acaba de nos entregar um livro intitulado "Hipólito da Costa, pioneiro da Independência do Brasil".
Trata-se de uma preciosa e concisa história não só de Hipólito e seu jornal, como do Brasil em sua adolescência.
Tal como Barbosa Lima o apresenta, Hipólito parece quase um preceptor que, lá de Londres onde se imprimia o "Correio Braziliense", vigiasse e protegesse, com certa preocupação, um jovem discípulo que um dia levaria a pátria brasileira aos seus grandes destinos.
Aliás, quando se lê Barbosa Lima, e apesar de ser o livro tão parco de exageros e adjetivos, a vontade que se tem é de mandar colocar um busto de Hipólito em cada redação de jornal brasileiro.
Foragido de Portugal, onde era perseguido pela Polícia de Pina Manique e pelos padres do Santo Ofício, Hipólito só contava consigo mesmo para fazer seu "Correio" em uma tipografia de Paternoster Row, em Londres.
E vejam aqui o que foi, e o que durou, a carreira do "Correio Braziliense, Armazém Literário": "Publicado todos os meses, de junho de 1808 a dezembro de 1822, totalizou 175 fascículos mensais, com a média de 123 páginas por fascículo. Foram depois reunidos em 29 volumes, com a média de 742 páginas por volume semestral, compondo, ao todo, uma coleção de 21.525 páginas. (...) O último volume saiu quando seu redator já considerava consumada a Independência, com a promulgação do decreto de 3 de junho de 1822 e a divulgação dos dois manifestos aquele ano, o de 1 e o de 6 de agosto, que registravam o ponto crucial da separação entre o Brasil e Portugal. Hipólito da Costa não dera maior importância aos sucessos do dia 7 de setembro, que não podia deixar de considerar corolário natural da rebeldia de D. Pedro, definida na declaração do 'Fico', a 9 de janeiro de 1822, e que o 'Correio Braziliense' descrevera sob o título de 'Revolução no Rio de Janeiro' ".
Quase inacreditável, pela massa como pela qualidade, o trabalho realizado por Hipólito da Costa. E vamos acompanhando, de número a número do jornal escrito tão longe do Rio como de Lisboa, as certeiras análises do jornalista que não dispunha de fax, de telefone, nem de correio regular.
Hipólito entendeu logo o que significava, para o Brasil, a transferência da família real portuguesa para o Rio, fugindo da invasão napoleônica.
Estudou, durante os primeiros tempos, o bem que poderia advir de uma verdadeira e igualitária união Portugal-Brasil. Mas não deixava de olhar também a febre independentista que se alastrava pela América espanhola.
Sentiu depois, quando os portugueses exigiam cada vez mais o retorno da família real, que o que a metrópole desejava era voltar à situação anterior: Portugal imperial dominando de novo a colônia brasileira.
A partir de então o "Correio Braziliense" iniciou sua grande luta pela separação. Pela total independência do Brasil. O menino Brasil estava criado. Tinha um território a perder de vista, como os Estados Unidos.
O preceptor podia desfrutar de um merecido repouso. Se não era exatamente amigo do rei, como queria ser Manuel Bandeira em sua Pasárgada, Hipólito era grande amigo do irmão do rei, o duque de Sussex.
No túmulo de Hipólito -que morreu em 1823, pouco sobrevivendo à independência do Brasil- o duque de Sussex mandou gravar um belo epitáfio: "...residiu neste país os seus derradeiros 18 anos de vida e daqui, pelos seus numerosos e importantes escritos, difundiu, entre os habitantes daquele imenso império, o gosto pelos conhecimentos úteis, a inclinação pelas artes que embelezam a vida e o amor pela liberdade constitucional".
O curioso é que, quando peguei e li de um só fôlego essa biografia do primeiro jornalista brasileiro escrita pelo centenário e mais vigoroso dos nossos jornalistas de hoje, eu tinha sobre a mesa um melancólico volume intitulado "Le Brésil en 1889".
Um livro raro e triste, que comprei há anos em um sebo porque incluía a "Esquisse d'Histoire du Brésil" do barão do Rio Branco. Foi um livrão preparado e publicado para a Exposição Internacional de Paris, de 1889, que celebrava um século da Revolução. De uma certa forma, o dito livrão poderia ser considerado uma continuação da coleção completa do "Correio Braziliense", já que pega o Brasil resultante da Independência e o acompanha até o fim do Segundo Reinado.
Mas as diferenças são grandes. Em lugar do título francês que ostenta, o livrão bem que podia se chamar "O Começo do Nhémhemhem".
O que tanto Hipólito como o duque de Sussex esperavam do grande império americano do sul, se transformou aos poucos em um latifúndio escravagista e indolente.
No Parlamento sucediam-se aos "luzias" liberais os conservadores "saquaremas", em um processo de marota conciliação que nunca mais nos abandonou, a não ser quando os militares fecham tudo por algum tempo.
Ao contrário da lúcida e breve biografia de Hipólito que Barbosa Lima escreveu em 122 páginas, o outro livro tem 699 páginas de mesuras e zumbaias a um Pedro 2º que nem existia mais, pois quando o livro foi posto em circulação a República já tinha sido proclamada e os luzias e saquaremas cercavam os mandantes da nova ordem.
O "Correio Braziliense" retrata o Brasil adolescente. "Le Brésil" já é a descrição de uma velhice precoce.
Pouca coisa deu certo. Quando vejo hoje, por exemplo, a máfia que é a bancada ruralista do Congresso, chantageando o governo para só aprovar reformas em troca de vantagens pecuniárias, constato que nem a escravidão foi abolida direito pelo Segundo Reinado.
"Le Brésil" diz e repete, quase que em cada artigo de cada colaborador, que desde o ano de 1888 o Brasil aboliu seu regime de trabalho escravo. Mas não pensou em dar terra ou educação aos seus libertos, como pregavam André Rebouças, Joaquim Nabuco e mais alguns "visionários" que queriam tornar realidade a ensolarada visão que tinha do jovem Brasil de 1822 seu primeiro jornalista, Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça.
Ou que ainda tem do Brasil hoje, apesar de todos os pesares, o jovem centenário Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho.

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