São Paulo, sábado, 3 de agosto de 1996
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'Álbum' mostra família como tragédia e farsa

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Tragédia ou farsa?
A pergunta de Álvaro Lins, o crítico teatral de maior leitura quando do lançamento de "Álbum de Família", feita em título de crítica no "Correio da Manhã", exatos 50 anos atrás, ainda está de pé.
Basta ver a montagem em cartaz no Centro Cultural Maria Antônia. É uma tragédia, em tons bíblicos, alguém diria, míticos.
Mas nos tempos que correm é também farsa, o que em nada diminui, até pelo contrário, o impacto da tragédia desejada por Nelson Rodrigues -sendo assim descrita por ele, "tragédia em três atos", no "Teatro Quase Completo".
Outra descrição, do mesmo Nelson Rodrigues, na revista "Dionysos", fala de "Álbum de Família" como "peça desagradável", ou ainda, "obra pestilenta, fétida, capaz, por si só, de produzir o tifo e a malária na platéia".
Não é possível conter o riso, quando Nelson Rodrigues descreve a peça, assim como não se contém o riso, ao ver a montagem.
O católico Álvaro Lins, apesar da reação do dramaturgo, que distribuiu ofensas a ele por outros jornais cariocas, não estava errado, na pergunta claramente intuitiva.
Nelson Rodrigues, trágico, mas também farsesco, não é Eugene O'Neill -então o seu modelo de autor pomposamente trágico, que vinha de receber o Nobel de literatura poucos anos antes.
O autor brasileiro tem uma sensibilidade para as palavras e a ironia que o americano jamais alcançou.
Nelson Rodrigues, trágico, mas também farsesco, é o que surge claro, transparente, na montagem de Cibele Forjaz, em sua primeira direção após anos de afastamento.
O trabalho como assistente de direção de Zé Celso, em "As Bacantes" mostra ter sido avassalador. Resta pouco do que foi possível ver da diretora, antes do Oficina.
Mas nada melhor, para desmistificar a mais pestilenta, a mais desagradável das peças.
O elenco é, em parte, e inesperadamente, talentoso. Jovens e sem qualquer experiência de palco, protagonistas como Andréa Lopes e Feu de Andrade dominam a cena como veteranos.
Os dois, em especial, exalam sensualidade em seus personagens -como quer Nelson Rodrigues- "sensuais".
Mais importante, são verdadeiros, não mentem, não fingem em cena. (O que, aliás, parece ser regra de todo um novo grupo de intérpretes, de espetáculos como "Viúva, porém Honesta" ou "Opus Profundum".)

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