São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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Aquela mesma "linha burra"...

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O velho Lobo dos campos virou um vira-lata sarnento, e os meninos da geração de ouro do nosso futebol não passam mais de um bando de garotos mimados, que, como Faustos da periferia, trocaram a alma olímpica por um punhado de dólares.
Faltou espírito olímpico, clama a pátria, em uníssono. E completa com sua visão peculiar do que seja o tal de espírito olímpico: vencer a qualquer custo.
Pois vencemos e perdemos, se querem saber, olimpicamente. Pelo menos nos campos do futebol, onde deixamos uma marca de civilidade que deveria estar -isso, sim- sendo reverenciada por toda a nação, se não tivéssemos perdido de vez o senso e o rumo.
Nós, os tetracampeões do mundo, os favoritos disparados, caímos diante dos modestos mas ágeis e imaginativos nigerianos, sem darmos um pontapé, uma cusparada, um xingamento, nem mesmo um olhar de esguelha aos heróicos africanos. E despencamos lá de cima, pois ganhávamos de 3 a 1 a 15 minutos do final do jogo.
Descemos ao fundo do poço da depressão, sentimentos as chamas do inferno lambendo nossos rostos, e o que fizemos? Voltamos a campo, sem ressentimentos, nem raiva, pusemos os portugueses na roda, fizemos 5 a 0 (poderia ter sido o dobro) e fomos colher nosso bronze com a dignidade de verdadeiros heróis gregos (ou Heitor deixou de ser herói por ter levado aquela sova homérica de Aquiles?).
Espírito olímpico é saber ganhar e perder com lisura e elegância. Portanto, sobrou espírito olímpico aos nossos jogadores.
Quem não o teve em momento algum -por nem saber seu real significado- foi a intolerante nação brasileira. Esta, sim, deve se envergonhar diante da geração de bronze no peito e ouro na alma.
*
Onde erramos, afinal? abstraíndo-se o imponderável da súbita queda de rendimento de Rivaldo, as inacreditáveis trombadas de Aldair e Dida etc., o único fator de erro repetitivo, desde a preparação até o jogo contra Portugal, foi o posicionamento de nossa defesa.
Quem me acompanha por estas linhas tortuosas haverá de lembrar que não é de agora que venho fazendo tal observação: nestes dois anos, para meu espanto, já que Zagallo é um mestre na armação defensiva, a defesa brasileira jogou em linha, aquela mesma "linha burra" condenada por João Saldanha há mais de 25 anos. Burra porque, sendo em linha, ao passar por um dos nossos zagueiros, o atacante adversário passou por todos.
E assim foi ao longo de toda a preparação e de toda a Olimpíada. Fêz-se um incrível revezamento de zagueiros de área, em torno de Aldair, mas o sistema seguiu impávido em seu erro fundamental.
E foi aqui que perdemos o ouro, pois lá na frente, bem ou mal, a coisa funcionou: metemos três gols na Hungria, mais três na Nigéria, quatro em Gana e cinco em Portugal, sem contar as infinitas chances desperdiçadas. É gol pra burro em tão acirrada competição, gente.
Com um detalhe: goleamos com dois ou três volantes. Assim como tomamos muitos gols com qualquer uma das formações de meio-campo. Logo, o buraco estava mais atrás. Só Zagallo não viu. Se viu, não soube tapá-lo.
*
O grito primacial, uterino, de Paula enrolada na bandeira brasileira, quando a prata já estava assegurada, foi um dos momentos mais pungentes desta Olimpíada. Nada a ver com essa babaquice de nacionalismo. É algo que vem das profundezas do ser, onde não há bandeiras nem cores, apenas uma insondável escuridão.

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