São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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Professor alerta para terrorismo mutante

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DE PARIS

Terrorismo hoje não requer prática nem tampouco habilidade. Fazer uma bomba é fácil, ao alcance de uma criança, já que as "lições" circulam na rede Internet.
Para o professor francês Xavier Raufer, do Instituto de Criminologia de Paris (Universidade Paris 2), essa facilidade é o principal risco do terrorismo atual.
Raufer é autor de diversos livros sobre terrorismo, entre eles "Les Superpuissances du Crime - Enquête sur le Narco-terrorisme" (As Superpotências do Crime - Pesquisa sobre o Narcoterrorismo) e "Terrorisme-Violence: Réponses aux Questions que Tout le Monde se Pose" (Terrorismo-Violência: Respostas às Perguntas que Todos se Fazem).
Ele alerta que o terrorismo nos anos 90 perdeu o conteúdo ideológico e serve ao que ele classifica de "gangsterrorismo". Para ele, porém, a luta contra o terrorismo não é uma causa perdida. Abaixo, entrevista concedida à Folha.
*
Folha - Estamos assistindo à banalização do terrorismo?
Xavier Raufer - Esse é um fenômeno ligado ao curso da história. A partir do momento em que uma técnica é eficaz, as pessoas começam a se servir dela.
Desde sempre os militantes políticos inventam as técnicas, e os criminosos comuns se apropriam delas. Um exemplo: em 1911, anarquistas franceses inventaram o assalto a banco com carros. Pouco depois, criminosos comuns já se serviam da técnica.
Folha - E qual é a cara do terrorismo hoje?
Raufer - Antigamente ele tinha uma cara ideológica. Mas esse modelo entrou em agonia com o fim da Guerra Fria. O terrorismo era sustentado por Estados, que usavam os grupos como continuação de sua política externa. Em países do Oriente Médio o terrorismo era a bomba atômica dos pobres.
Hoje, é um meio de produzir medo nos Estados ou de ganhar dinheiro. É feito por grupos minúsculos, tem um caráter privado.
Vejamos a seita Aun Shinrikyo, no Japão, ou o atentado de Oklahoma, nos EUA. Não há Estados por trás deles. A ação é mais fragmentada e menos ideológica.
Na década passada, o símbolo do terrorismo era o dissidente palestino Abu Nidal. Ele agia por uma causa. Desde os anos 90, começou a vender seus trabalhos para quem pagasse mais. Nos anos 80 o terrorismo era estável. Hoje, é mutante. É preciso vigiar cotidianamente.
Folha - E grupos como o Hizbollah? Não é a continuação do terrorismo promovido por Estados?
Raufer - O Hizbollah é uma organização política que tem um braço armado que pratica atos de guerra contra Israel. A rigor ele faz a resistência contra um invasor.
Folha - Quais são os principais alvos do terrorismo hoje?
Raufer - É difícil especificar. Algumas motivações são muito confusas. Mas, de forma geral, todo país que contrariar interesses fortes está sujeito a isso. É o caso da luta contra a Máfia na Itália ou, atualmente, na Rússia. Hoje, está disseminado o que podemos caracterizar de "gangsterrorismo".
Folha - O sr. acredita que é possível impedir a ação terrorista?
Raufer - É preciso se adaptar às novas formas de terrorismo, identificar esses novos grupos, investigá-los, se infiltrar, fazer escuta telefônica, mapear financiamento.
Folha - Qual é o principal perigo do terrorismo hoje?
Raufer - A facilidade com que é possível preparar bombas de forte potência com baixa tecnologia.
Folha - Há quem aponte como risco a falta de controle de determinados arsenais atômicos.
Raufer - Isso é besteira. Não estamos em filme de James Bond.
Folha - A conferência do G-7 sobre terrorismo, terça-feira, em Paris, propôs 25 medidas "concretas" para impedir o terrorismo. O que há de concreto nessas medidas?
Raufer - São medidas policiais, adaptadas aos novos grupos.
Folha - Mas algumas delas, como tratados de extradição e o controle de armas de fogo ou da Internet, não dependem só da decisão política de um governo. O sr. não acha que algumas leis são, hoje, de difícil aplicação?
Raufer - Isso faz parte de sistemas democráticos. Será que o atentado em Oklahoma foi uma catástrofe grande o suficiente para mudar a lei? Se não, em breve haverá outra, e os EUA serão obrigados a mudar a lei que facilita o acesso a explosivos e armas.
Folha - Como impedir que mensagens extremistas e receitas de bombas circulem na Internet?
Raufer - Seria extremamente útil se houvesse um meio de controlar a Internet, mas hoje ninguém tem idéia de como fazê-lo. Mas é como a Aids. Ninguém tem a cura. Não quer dizer que se devam abandonar as pesquisas.
Folha - O governo dos EUA deve aprovar a lei Amato-Kennedy, que pune empresas estrangeiras que comercializem com Irã e Líbia, países que, segundo os EUA, patrocinam o terrorismo. A Europa é contra. O sr. acha que a lei é útil?
Raufer - Essa lei é mais ligada a questões internas dos EUA. Os EUA estão prontos para a guerra de ontem, mas não estão preparados para a guerra de amanhã.
Folha - Os europeus também se opõem a um organismo internacional que combata o terror, como propôs os EUA. O que o sr. acha?
Raufer - Não é uma boa idéia. São necessários métodos discretos para combater o terror. Mas a tática dos EUA é essa. Eles fazem mais showbizz. Afinal, estão em período eleitoral. É preciso não confundir cinema e realidade. O ser humano tem horror à realidade.

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