São Paulo, segunda-feira, 5 de agosto de 1996
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Troca de ônibus por carro deixa o trânsito cada vez mais lento

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem circula pela cidade não precisa de estatísticas para saber que o trânsito em São Paulo piorou. A má notícia é que, se não houver mudanças rápidas na política de transportes, a situação deve piorar ainda mais.
A cidade não parou de crescer, mas, por mais contraditório que pareça, o número de pessoas que usam ônibus em São Paulo está diminuindo. E rápido: desde junho do ano passado, cerca de 250 mil passageiros abandonaram os chamados coletivos.
Alguns, sem dinheiro para o R$ 0,80 da passagem, tiveram de recorrer ao mais antigo meio de transporte existente: os próprios pés. Outros, com mais sorte -e renda-, trocaram os lentos ônibus por carros particulares.
O impacto da transferência de passageiros é enorme. Para se ter uma idéia, no espaço ocupado por um ônibus, que transporta em média cem passageiros, cabem três automóveis, com apenas cinco pessoas dentro.
Como o número de carros cresce, mas o de vias não, o resultado é uma velocidade menor nas ruas e, é claro, mais tempo perdido em congestionamentos.
Ou seja: quem fazia um trajeto de 15 km em 28 minutos, precisa hoje de mais 5 minutos para cobrir a mesma distância. Ao fim de um mês de idas e vindas, esse paulistano perderá 3 horas e 20 minutos a mais no trânsito.
Em 93, segundo estudo do Metrô, 45% dos moradores da Grande SP gastavam mais de duas horas por dia no trânsito, e 21%, mais de três horas.
Disputando espaço com os carros, os ônibus levaram mais tempo para percorrer o mesmo itinerário. Mesmo aumentando a frota, o serviço oferecido é o mesmo. Na média, a velocidade dos ônibus é de 14 km/h.
"Em certos 'gargalos', ela não passa de 5 km/h, a mesma velocidade de uma pessoa a pé. Alguns passageiros descem e vão andando mesmo", diz Francisco Christovam, presidente da SPtrans -estatal que gerencia o sistema de ônibus municipal.
Instalou-se um círculo vicioso. Ônibus lentos são um estímulo para mais pessoas optarem pelo carro, aumentando congestionamentos e tornando o transporte coletivo menos atrativo.
Uma conta simples, feita por Christovam, ajuda a entender a razão de mais pessoas estarem trocando o carro pelo ônibus.
Para percorrer os 15 km da viagem média na cidade, um carro popular gasta no máximo 2 litros. Com a gasolina barata, para ir e voltar ao seu destino o dono do carro pagará R$ 2,40 por dia. Se forem duas pessoas, o custo será menor do que os R$ 3,20 das quatro passagens de ônibus. Isso sem contar ganhos de conforto, tempo e status.
"Ao mesmo tempo cresceram o transporte irregular (lotações e ônibus clandestinos) e o público do metrô", diz Rogério Belda, presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos. Tudo isso aumenta o caos.
Os especialistas concordam que é difícil reconquistar o público que migrou para o carro, mas dizem que é preciso tentar.
Na Grande SP, um dia a cada dez já tem índices inadequados de concentração de poluentes. E 90% da poluição vem dos carros, diz Belda.
"Los Angeles (EUA) está construindo um metrô porque se verificou que é impossível manter uma grande cidade baseada só no carro, sem transporte público", conta.
Há saídas, mas elas são caras e impopulares, diz Maurício Cadaval, consultor de transportes.
Na sua opinião, no curto prazo é preciso aumentar o custo do carro -taxando a gasolina ou encarecendo o estacionamento.
"E no médio prazo é preciso investir em novas vias para carros, ônibus e metrô. Não adianta investir só em um ou outro", diz. É que se o investimento não for balanceado, o sistema privilegiado acaba sobrecarregado.
No caso dos ônibus, Christovam, Belda e Cadaval concordam: só o aumento de corredores exclusivos, onde a velocidade média chega a 25 km/h, resolve. Eles são ainda raros em São Paulo: há 98 km de corredores para 3.000 km de vias principais.
"Se os investimentos não forem feitos, São Paulo não vai parar, mas vai se tornar cada vez menos atraente para se morar e trabalhar", prevê Cadaval.

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