São Paulo, segunda-feira, 5 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Dance music é o punk dos anos 90

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Cravaram o prego que faltava no caixão do rock. Karl Hyde, líder da banda Underworld, resumiu em uma frase o estado das coisas neste mundo pós-ressurreição dos Sex Pistols: "A dance music é o novo punk rock".
A cruel, porém precisa comparação foi feita por ele na última edição da revista inglesa "The Face". Entre outras coisas, o Underworld, um grupo de dance, se recusa a aparecer no "Top of the Pops", o programa de TV que apresenta os maiores sucessos da música inglesa.
E sabe quem agia do mesmo jeito, há quase 20 anos? O Clash, o maior grupo punk que já pisou neste planeta. "Top of the Pops", para o Clash, era o quinto dos infernos.
Não acompanho a cena dance, não compro discos desse gênero, acho a chamada cultura "clubber" repulsiva.
Mas não sou cego e, embora deteste o som, tenho de admitir que grupos/caras como Prodigy, Leftfield, Orbital, Black Grape e o próprio Underworld representam muito mais a cultura do "faça-você-mesmo" pregada pelo punk do que, digamos, os cínicos maiores-que-a-vida do Oasis, do Blur ou... (suprema ironia) dos tiozinhos dos Sex Pistols.
No mundo dance, tem gente literalmente gravando álbuns no quintal de casa. Sem falar no estilhaçamento brutal de estilos, na variedade revigorante de nomes e sons.
Li outro dia uma reportagem sobre um cara chamado DJ Food. Se as músicas dele prestam, não sei. Mas o nome merece nota dez. Totalmente rock and roll -só que não é rock and roll.
Muitos dos tradicionais festivais roqueiros do verão europeu ainda nem começaram, mas vai ser difícil que superem em loucura e novidade o Tribal Gathering -um festival de... dance music.
Leio também na "Face" alguns depoimentos de espectadores do Tribal Gathering. Veja este de uma dupla que se apresenta como Trixie e Pixie: "Antigamente éramos namorados, mas agora estamos passando por uma fase bissexual". Caramba!
Durante anos, meu interesse por rock tinha base na certeza de que nesse tipo de música estava o centro nervoso da cultura -com perdão do adjetivo- jovem. Havia rock, e só rock, em nossas muitas angústias e raras celebrações. Em nosso niilismo, na politização possível.
Mas gostar de rock tem hoje sabor de deslocamento, não mais de convicção.
No papel de arqueólogos precoces do pop, nos contentamos em acompanhar um gênero cada vez mais periférico, desimportante. Rock, rumba, merengue ou maracatu. A cada dia faz menos diferença.

Texto Anterior: Fature um kit Monsters
Próximo Texto: "Kryptonite", Gaunt; "Less Talk More Rock", Propagandhi; "1977", Ash
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.