São Paulo, segunda-feira, 5 de agosto de 1996
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O pedágio bancário

Todo banco deveria ser obrigado a investir no desenvolvimento do país e manter programas sociais
FREI BETTO
Insensível à sobrecarga de impostos que pesam no bolso do contribuinte brasileiro, sobretudo dos assalariados, o governo FHC, acolitado pelo Conselho Monetário Nacional, libera o pedágio bancário.
Os recursos dos bancos vêm do trabalho e da renda dos correntistas. São eles que emprestam o dinheiro ao banqueiro, que, favorecido pela lei, aplica-o, multiplica-o e faz seus próprios negócios. Mas tudo funciona como se fosse o contrário.
Agora os correntistas, além de enfrentar filas intermináveis, terão de pagar para movimentar suas contas, fazer transferências, retirar extratos, pedir saldos etc. E, quem sabe, até para manter uma simples conta.
E quanto de impostos pagam os bancos ao governo? Pelo que todos sabem, gozam do privilégio de dispor de um bilhardário pronto-socorro, chamado Proer, do qual já sacaram mais de R$ 20 bilhões desde que FHC virou presidente. Dinheiro do povo, depositado compulsoriamente no Banco Central e desviado oficialmente para tentar salvar instituições bancárias falidas. Tudo sob o pretexto de impedir a quebra do sistema financeiro.
O que mais provoca indignação é que, no Brasil, o governo não exige contrapartidas da iniciativa privada. Tivesse vontade política, atrelaria a taxa de cobrança de serviços bancários à progressiva elevação do nível de emprego nos bancos e dos serviços prestados à população.
Todo banco deveria ser obrigado a investir no desenvolvimento do país e manter programas sociais. Porém o que vemos é a terceirização e a informatização exterminando a categoria bancária, enquanto os lucros sobem astronomicamente.
Nos primeiros seis meses deste ano, o Bradesco, por exemplo, lucrou R$ 431 milhões, ostentando uma rentabilidade de 8,26% sobre o patrimônio líquido de R$ 5,218 bilhões. Comparado ao mesmo período do ano anterior, os lucros do Bradesco cresceram 62%.
Por que o governo permite a extorsão dos correntistas? Banco é serviço público. Se o objetivo é estimular a concorrência, como declarou um ministro, o governo deveria sair na frente e dar o exemplo: não cobrar um único centavo pelos serviços em suas instituições financeiras, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
Assim, muitos correntistas com certeza transfeririam suas contas e aplicações para as instituições oficiais. E ajudariam a salvá-las do buraco em que se encontram por má administração.
Quem conhece a obra do Bertolt Brecht, sabe qual a diferença entre fundar e assaltar um banco.
Se banco é um negócio como outro qualquer, por que o governo, a exemplo da Europa, não autoriza sindicatos e cooperativas a ter seus bancos? Ora, o governo sequer permite que os sindicatos tenham emissoras de rádio.
Há anos, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC aguarda autorização do Ministério das Comunicações. No entanto há senadores e deputados que fazem coleções de rádios e TVs. É a permutocracia. Dão-se concessões públicas a quem dá votos...
Neste país, quem mais ganha menos paga em impostos. Basta perguntar à Receita Federal a soma de todos os impostos pagos pelos latifúndios. Os pobres mortais pagam impostos absurdos. Aqui os carros custam o dobro por causa dos impostos; e os pequenos e médios empresários vivem inseguros por causa dos impostos. Já repararam que, a cada ano, a Receita inventa um novo formulário de Imposto de Renda? Só não inventa um modo de distribuir a renda.
Em breve, vamos pagar imposto sobre o uso doméstico da TV, como na Inglaterra. Pagar imposto é um dever. O diabo é não fazê-lo de modo proporcional à renda nem merecer os direitos potencialmente implícitos nele: saúde, educação, saneamento, aposentadoria decente etc.
Se não se pode deixar de pagar impostos extorsivos, ao menos, neste ano, pode-se votar em políticos menos comprometidos com assaltos ao bolso do contribuinte.

Carlos Alberto Libânio Christo (Frei Betto), 51, frade dominicano e escritor, é membro da Fundação Sueca de Direitos Humanos, assessor da Central de Movimentos Populares e autor de "A Obra do Artista -Uma Visão Holística do Universo" (Ed. Ática), entre outros livros.

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