São Paulo, terça-feira, 6 de agosto de 1996
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A verdade poupada

JANIO DE FREITAS

Poucos, e quase sempre atrasados, são os indicadores oferecidos aos brasileiros em geral para que tenham noção, mínima embora, das realidades que influenciam e até determinam tantos aspectos de suas vidas. A falta se explica por sua conveniência para os governos, permitindo-lhes propalar êxitos inexistentes, sejam administrativos ou das pessoas dos governantes. Um dos indicadores úteis para a percepção de condições socioeconômicas e, portanto, para a análise das políticas de governo e dos próprios governantes, é o balanço semestral e pormenorizado da caderneta de poupança, agora divulgado pelo Banco Central. Causou surpresa, pela redução do total de depósitos. O dado mais importante no balanço não é, porém, a espantosa retirada, só no primeiro semestre, de R$ 4,5 bilhões dos depósitos. É a constatação de que a maior parte das retiradas foi feita pelos menores depositantes, os de contas que chegavam, no máximo, a R$ 500. E o segundo maior volume de retiradas foi feito ainda pelos que poupam com sacrifício, cujos depósitos, passando dos R$ 500, só puderam totalizar, no máximo, R$ 2.000.
Os pequenos poupadores não retiraram apenas parte da poupança, para atender a alguma necessidade emergencial. Rasparam o que restava de poupança em alguma altura do primeiro semestre: pelo menos 2,770 milhões de contas foram fechadas, entre janeiro e fim de junho, por depositantes que tinham no máximo R$ 500.
Raspar e fechar não foi um movimento novo. Em 31 de dezembro de 94, no primeiro semestre da vida do Real, havia, em números arredondados, 90 milhões de cadernetas. No quarto semestre do Real, ou ao se completar seu segundo ano em junho agora, o total caíra para 76,5 milhões.
As quedas sucessivas, mensais, do volume de depósitos na caderneta vinham sendo explicadas pelo governo como consequência, de modo geral, da transferência de aplicação pelos grandes depositantes. Este dinheiro rico fugia da rentabilidade baixa da caderneta, inferior até à inflação, e buscava outra proteção.
No balanço semestral constata-se, porém, que todas as faixas de depósitos acima de R$ 4.000 cresceram nos respectivos totais depositados, desmentindo a tal transferência. É claro que o governo acompanhava a retirada dos depósitos pequenos e a permanência dos grandes, mas não lhe convinha admiti-la.
Não convinha porque algo mais importante ficaria sob questionamento. A cúpula do governo tem um só argumento para justificar o alto preço que, da classe média para baixo, está sendo pago pelo Plano Real. É o suposto acréscimo da renda familiar, ou de distribuição de renda, proporcionado pela estabilidade da moeda. O saque da poupança pelos pequenos depositantes abala, para não dizer mais, o argumento solitário do governo.
Para salvar banqueiros amigos, parentes banqueiros, ou o apoio de algum senador e seu clã, R$ 4,5 bilhões são muito pouco. Mas R$ 4,5 bilhões sacados da poupança, em apenas 180 dias, para girar no comércio e na indústria, são uma massa respeitável de dinheiro. Ou massa de dinheiro respeitável: o dinheiro de milhões de pessoas que, além de não poderem poupar alguma coisa, como faziam antes, têm que raspar a poupança pequena. Apesar do grande ganho de salário que certas pessoas do governo lhes atribuem.

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