São Paulo, terça-feira, 6 de agosto de 1996
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Os melhores e os piores da Olimpíada

THALES DE MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL

No balanço dos destaques positivos e negativos dos Jogos de Atlanta, a delegação brasileira deixa sua marca com a melhor campanha do país numa Olimpíada.
As 15 medalhas desta competição são quase o dobro do recorde anterior do Brasil, 8 em Los Angeles-84.
Vale lembrar que as conquistas registradas na outra Olimpíada em solo norte-americano foram favorecidas pelo boicote dos países socialistas.
Além da confirmação de alguns favoritos, o país insere mais dois esportes entre os "medalháveis": vôlei de praia e hipismo.
O tênis poderia entrar também nessa lista, se Fernando Meligeni tivesse um pouco mais de sorte na disputa do bronze.
Como maior destaque aparecem as primeiras medalhas vencidas por brasileiras na história dos Jogos.
A final "brazuca" do vôlei de praia, ganhando ouro (Jacqueline e Sandra) e prata (Adriana e Mônica), foi seguida pela prata no basquete e o bronze no vôlei de quadra.
A quase perfeita campanha do vôlei, que teve seu ápice numa arrasadora vitória por 3 a 0 sobre Cuba na fase preliminar, parou no tie-break da semifinal contra as mesmas cubanas.
Num jogo em que as adversárias abusaram da boa marcação em cima de Ana Moser e Márcia Fu e das provocações junto à rede, a seleção brasileira deixou o ouro escapar por pouco.
Mas o bronze foi o "debut" no pódio olímpico de uma geração que pode durar até Sydney, com a entrada de algumas jogadoras mais novas.
A conquista do time feminino compensou a má campanha do vôlei masculino. Os vencedores do ouro em Barcelona começaram sua participação em Atlanta com duas derrotas inapeláveis para Argentina e Bulgária.
Sem o capitão Carlão, contundido, o time precisou fazer uma campanha de recuperação. Conseguiu a classificação com vitórias sobre EUA e Cuba, dando falsos sinais de recuperação.
Na fase final, veio a derrota para Iugoslávia e a 5ª colocação na Olimpíada, deixando na torcida a impressão de que o time não soube reciclar seu jogo.
Com o mesmo sexteto titular de Barcelona, o Brasil hoje é um time conhecido por seus adversários e não consegue mais intimidá-los.
Os atacantes ficam bem marcados e dependem de superação pessoal para conseguir os pontos. É pedir demais para a chamada "geração de ouro".
No basquete feminino, as rainhas não irão aos próximos Jogos, mas Hortência e Paula cumpriram a promessa de partir para a aposentadoria na seleção com uma medalha olímpica no peito.
Depois de uma campanha brilhante, o time foi totalmente envolvido pelas norte-americanas na final, numa performance de levantar o ginásio. Foi a grande emoção que faltou ao "Dream Team" masculino.
Dois anos depois do título mundial vencido na Austrália, a prata olímpica encerra as andanças de Paula e Hortência pelas quadras com a camisa da seleção.
As duas foram destaque na imprensa norte-americana durante todo o torneio.
Hortência chegou a ser comparada a Magic Johnson e Michael Jordan. Paula foi classificada pela técnica norte-americana como "a jogadora que faz as jogadas mais inesperadas do mundo".
Ainda na lista dos mais elogiados, os 1.093 pontos em Olimpíadas de Oscar Schmidt foram destaque na imprensa mundial.
Reverenciado pelos norte-americanos desde a conquista do Pan-Americano de Indianápolis, em 87, quando ajudou o Brasil numa vitória inédita sobre os anfitriões, Oscar ganhou até elogios das estrelas do "Dream Team".
Por falar nos maiores jogadores de basquete do planeta, a Olimpíada de Atlanta não teve os momentos de magia vistos em Barcelona.
Apesar da medalha no peito de seus milionários jogadores, o "Dream Team 3" se enquadra na lista das decepções. O time venceu todos os seus jogos, mas foi pressionado em alguns momentos.
Fechou o primeiro tempo contra a Argentina ganhando por apenas dois pontos e chegou a ficar atrás do marcador no jogo final contra a Iugoslávia.
As contagens centenárias e o espetáculo de Barcelona foi substituído por um time imbatível, mas que enfrentou adversários preocupados em segurar a bola ao máximo para perder de pouco.
A rede de TV norte-americana NBC definiu bem a impressão deixada pelo DT3 na frase "O ouro permanece, o show terminou".
Outro dos grandes fiascos de Atlanta foi o torneio de tênis. Nas semanas que antecederam o evento, a cada dia uma nova estrela anunciava sua desistência da competição.
O melhor tenista do planeta, Pete Sampras, chegou a inventar uma contusão para justificar sua ausência na disputa.
Se o feminino contou com grandes estrelas (apenas Steffi Graf não jogou), foi uma "zebra" que garantiu outro ouro para os EUA. A grandalhona Lindsay Davenport teve seu melhor momento na carreira.
O mesmo pode ser dito do brasileiro Fernando Meligeni. Os especialistas do esporte duvidavam de suas condições para seguir no torneio, principalmente por ter de enfrentar na segunda rodada o 15º tenista do mundo, o espanhol Alberto Costa.
Jogando com muita garra, Meligeni bateu Costa e muitos outros. Parou diante do experiente espanhol Sergi Bruguera nas semifinais e, na disputa do bronze, deixou escapar o pódio olímpico diante do indiano Leander Paes.
Meligeni poderia ter vencido Paes, mas o quarto lugar nos Jogos já é suficiente para transformá-lo em herói olímpico.
Completam a galeria de heróis brasileiros a dupla de nadadores Gustavo Borges e Fernando Scherer.
Além das três medalhas (duas de Borges e uma de Scherer, o "Xuxa"), o Brasil foi o único país a colocar dois representantes entre os oito finalistas dos 100 m livre.
As conquistas dos dois devem incentivar a natação no país. É o caso do bronze no hipismo e nas duas medalhas do judô. O iatismo, sempre em alta na Olimpíada, embolsou mais dois ouros para a coleção.
Já que o assunto é herói, dois norte-americanos dividem as honras de ser o maior da competição.
Correndo com um grande peso nos ombros, Michael Johnson conseguiu o feito inédito de vencer os 200 m e os 400 m numa mesma Olimpíada. O homem da sapatilha dourada, como repetiram muito os locutores, provou que suas promessas de vitória não eram balela.
Enquanto Johnson é adorado pelos norte-americanos, seu compatriota Carl Lewis pode não levar o "troféu simpatia" para casa, mas tem na estande sua nona medalha de ouro.
Perdeu a décima, que lhe daria o recorde planetário de ouros olímpicos, por teimosia daqueles que comandam a equipe dos EUA e não permitiram a sua grande conquista.
Se Lewis e Johnson brilharam, outros decepcionaram.
A lista é um "dream team" das pistas: Serguei Bubka (salto com vara), Mike Powell (salto em distância) e Javier Sotomaior (salto em altura), donos de recordes mundiais que ficaram longe do pódio olímpico.
O inglês Lindford Christie, campeão dos 100 m em Barcelona, queimou duas vezes a largada da final e ficou fora do páreo.
Na entrevista coletiva, limitou-se a sorrir e aceitar a fatalidade.
Esse "espírito olímpico" faltou aos atletas cubanos. Em três episódios, foram protagonistas de brigas com seus adversários.
No vôlei masculinho, as cenas de pugilismo aconteceram no jogo contra a Rússia. Outra briga também foi contra o time russo, dessa vez no basquete feminino.
No vôlei feminino, as brasileiras foram vítimas de agressões nos vestiários, depois da partida semifinal vencida pelas cubanas.
Apesar de tantos recordes e outras tantas decepções, Atlanta-96 vai ficar na história como a mais desorganizada das últimas Olimpíadas.
Durante as duas semanas de competição, o inferno se instalou na cidade.
Congestionamentos, preços extorsivos, guardas e voluntários mais confusos do que os desorientados turistas/espectadores.
Os jornalistas credenciados começaram reclamando do calor senegalesco e do excesso de revistas diárias a que eram submetidos pela segurança do evento.
Depois, tudo isso ficou sem importância quando eles perceberam que o sistema que a IBM montou para divulgação on-line dos resultados não funcionava como era esperado.
Suor e guardas com cara de poucos amigos, tudo bem. Agora, sem informação eles não podiam trabalhar.
Pior do que ser espectador ou jornalista nesta Olimpíada foi ser mascote. O indefinido bonequinho azul Izzy foi um dos maiores fiascos de toda a empreitada.
Percebendo o carisma zero de sua invenção, os organizadores trataram de escondê-lo. Diferentemente de outras Olimpíadas, achar o mascote desta vez lembrava o jogo "Onde está Wally?".
O cenário de Atlanta, que já era bastante sombrio diante do caos armado pelos organizadores, ganhou contornos de tragédia na madrugada do segundo sábado de competições.
A bomba que explodiu no parque do Centenário, matando duas pessoas e ferindo mais de uma centena, manchou por completo a 26ª edição dos Jogos.
O incidente fez com que a segunda semana de provas fosse submergida numa paranóia descontrolada. As revistas em atletas, jornalistas e espectadores aumentaram.
O episódio fez o mundo lembrar das 17 mortes numa ação terrorista durante a Olimpíada de Munique, em 1972, quando um grupo palestino invadiu a Vila Olímpica e sequestrou atletas da delegação israelense.
O FBI ainda investiga a bomba detonada em Atlanta e a hipótese mais forte com que o órgão trabalha é um ato de terrorismo local, de extrema direita.
Esses episódios devem ofuscar uma Olimpíada que mostrou muitas mudanças positivas na distribuição de medalhas.
O mundo assiste a um lento processo de "polenização" das conquistas esportivas. O número de países medalhistas cresce e as grandes potências tendem a perder sua força olímpica.
Na Olimpíada em que os negros conseguiram sua melhor performance em toda a história dos Jogos, os países africanos com medalhistas passaram de 8 para 12.
Países europeus que tinham perdido terreno durante o forte domínio de EUA e URSS agora voltam a despontar como potências emergentes no novo mapa-múndi do esporte.
França, Itália e Alemanha ganham papel destacado no quadro de medalhas e quebram hegemonias de países do Leste Europeu em vários esportes, tornando a disputa mais competitiva e atraente para o público.
Além dos negros, as mulheres saem de Atlanta com maior participação na glória olímpica. O número de modalidades femininas cresce na lista dos recordes mundiais deixados para trás nesses Jogos.
Outro destaque foi a homenagem a Muhammad Ali. O maior lutador de boxe de todos os tempos acendeu a pira olímpica na abertura dos Jogos e ganhou uma nova medalha de ouro para sua sala de troféus.
Ali tinha perdido a medalha original que ganhou nos Jogos de Roma, em 1960. O público norte-americano aprovou a homenagem a seu herói.

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