São Paulo, sexta-feira, 9 de agosto de 1996
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Cavallo versus Argentina

CELSO PINTO

No dia da greve geral na Argentina, com prisões e conflitos de rua, o ex-ministro da Economia Domingo Cavallo veio ao Rio explicar, na reunião da Sociedade Econométrica, porque está "muito satisfeito" com os resultados obtidos em seu país.
Cavallo vê a situação argentina como "estável", a economia "crescendo rapidamente" e o desemprego em queda. Mais: com seu estilo direto habitual, ele disse que só se o governo, os políticos e a sociedade argentina fossem "imbecis" (ele usou "stupid" em inglês, a língua oficial do seminário), pensariam em desvalorizar a moeda. A única mudança que ele imagina, em alguns anos, é a do peso argentino se valorizando em relação ao dólar e outras moedas fortes. Como aconteceu com o iene japonês e o marco alemão depois da guerra.
Ouvir a análise de Cavallo fora do governo e acompanhar a onda de descontentamento na Argentina ajudam a entender por que ele caiu e por que o futuro carrega incertezas. Cavallo vê nos desdobramentos da crise do México, que mergulhou a Argentina na recessão, uma ótima oportunidade para aprofundar as reformas no país.
Seu plano de estabilização, argumenta, já havia ensinado ao governo, políticos e cidadãos que "existe uma restrição orçamentária" que deve ser respeitada e que a alta inflação anterior mascarava. O período de alto crescimento (7,5% ao ano) antes da crise do México, de todo modo, havia facilitado a tarefa de operar com baixa inflação.
A crise mexicana, ao cortar o fluxo de dólares à Argentina, deu um passo além. De um lado, mostrou que a economia era capaz de mudar de direção rapidamente, sem desvalorização ou volta da inflação: o país saiu de um déficit comercial de US$ 6 bilhões em 94 para um superávit de US$ 1 bilhão em 95 e o déficit em conta corrente baixou de mais de 3% do PIB para 1%.
De outro lado, forçou o país a entender de forma ainda mais dramática as restrições orçamentárias, algo que passou a englobar também os Estados (províncias). A crise deixou claro, também, que devem ser tocadas as "reformas pendentes", como as do mercado de trabalho e do sistema de seguro saúde.
Qual o fôlego para avançar? Cavallo, eterno otimista, argumenta que o pior da crise argentina já passou. No quarto trimestre de 95 a economia caiu 10% (a queda foi de 4,4% no ano), mas já no segundo trimestre deste ano, segundo Cavallo, os indicadores preliminares são de um crescimento de 3%. O desemprego chegou a 18,4% em maio de 95 e estava em 17% em maio deste ano.
A raiz do desemprego, diz Cavallo, não tem nada a ver com o programa em si. Vem do contraste entre a baixíssima produtividade dos anos 80 com os saltos em produtividade dos anos 90. Os empregos sumiram na indústria, mas aparecerão no setor imobiliário, infra-estrutura e serviços.
Aos que reclamam que a política cambial acabou com a competitividade, Cavallo responde com números. Em 1980, a Argentina exportou US$ 8 bilhões e em 89 exportou US$ 9 bilhões. Já de 90 ao ano passado, as exportações subiram de US$ 9 bilhões para US$ 22 bilhões.
Então, o que está errado? O enorme desgaste político que existe na passagem entre o país que aprendeu com a crise do México tem que arranjar fôlego para mais reformas e só pode esperar recompensas num futuro ainda indeterminado.
Cavallo disse que aprendeu nos seus sete anos como ministro, dos quais cinco e meio na Economia, que não dá para fazer muita coisa na economia, exceto melhorar as regras em que pessoas e empresas operam. Pode ser, mas os sinais são que a população, hoje, tem expectativas diferentes das de Cavallo.
Provocação
Robert Barro, o economista de Chicago candidato ao prêmio Nobel, que gerou polêmica ao gerar um bate-boca com o ministro da Fazenda, Pedro Malan, sobre o grau de seriedade da política de estabilização brasileira, não mudou de estilo. Ao ver Cavallo, ontem, nos corredores do encontro de econometria, Barro lembrou que, já que o ex-ministro argentino estava momentaneamente sem emprego, poderia ser uma boa opção para dirigir o Ministério da Fazenda do Brasil.

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