São Paulo, sexta-feira, 9 de agosto de 1996
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'Todos nós matamos Pixote', diz Joffily

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A GRAMADO

"Quem Matou Pixote?", um dos três títulos inéditos da disputa nacional em Gramado-96, é mais uma crônica de uma morte anunciada.
O terceiro longa-metragem de José Joffily ("A Maldição de Sampaku") ficcionaliza a ascensão e queda de Fernando Ramos da Silva, celebrizado como protagonista do clássico "Pixote, a Lei do Mais Fraco" (1980), de Hector Babenco.
Menino pobre de periferia, o sucesso do filme o tornou arrimo de família aos 11 anos e lhe descortinou uma carreira artística que se provou ilusória. Pouco mais que figurante em uma novela da Globo e em dois outros filmes, Fernando viu a vida como ator escorregar por entre seus dedos.
A participação em alguns assaltos catalisou problemas com a polícia. Tudo termina de forma trágica, com Fernando/Pixote sendo morto por três policiais militares com oito tiros em agosto de 1987.

Folha - Por que você optou por se fixar no Fernando pós-filme?
José Joffily - Considerei que o que antecedia já era de conhecimento do público. O Fernando pós-filme é mais desconhecido e pleno de controvérsias, mais polêmico, mais cinematográfico.
Folha - Como o filme de Babenco surge no seu?
Joffily - Surge apenas como uma introdução nos dez primeiros minutos. Fazemos uma breve apresentação dos personagens e de suas histórias.
Folha - O que diferencia o seu "Pixote" daquele de Babenco?
Joffily - O "Pixote" de Babenco ainda é um filme muito atual, apesar do tempo. É um filme com uma força documental muito grande. "Quem Matou Pixote?" é um filme/memória que resgata a história de um menino sensível e talentoso que poderia ter outro destino se tivesse tido mínimas condições de seguir seu ofício.
Folha - Por que a "premissa" de que os intérpretes de Fernando e Cida fosse atores com alguma experiência? Temor de alimentar uma espécie de maldição?
Joffily - Não tenho talento para dirigir crianças. Isso exige uma dedicação especial. Só sei lidar com atores já formados.
Folha - Você afirmou que seu filme, além de tratar do Brasil contemporâneo, fala dos "artesão/artistas de filmes". Como se desenvolve este subtema?
Joffily - A história do Fernando, guardadas as devidas proporções, é também a história de todos nós que trabalhamos nesse ofício bissexto. Eventualmente, mesmo aqueles que trabalham há muitos anos no cinema ficam desempregados. O que nos segura é que somos filhos da classe média. Fernando foi arrimo de família aos 11 anos, trabalhando como ator.
Folha - Para você, por meio dos três policiais que atiraram em Fernando, tornados um único no filme, quem matou Pixote?
Joffily - A polícia é intérprete dos desejos da sociedade a que serve. Assim como os políticos, os cineastas e os jornalistas. Quem matou Fernando fomos todos nós, por pensamentos, palavras ou obras. Evidentemente, isso não tira a culpabilidade dos policiais, mas acho que o raciocínio de que estamos todos no mesmo barco nos leva por caminhos mais responsáveis.
O crítico Amir Labaki viaja a Gramado a convite da organização do festival.

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