São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996
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Sinais de lá e de cá

JANIO DE FREITAS

Acontecimentos simultâneos e identificados no mesmo propósito, a greve geral na Argentina e a invasão violenta da sede paulista do Ministério da Fazenda, pela pacífica Força Sindical, têm valor simbólico tão expressivo quanto desprezado, não por acaso, nos meios de comunicação.
A passividade algo bovina dos assalariados e dos funcionários civis e militares, diante do desemprego e do arrocho motivados pelas políticas antiinflacionárias, tornou-se mais espantosa do que explicável, no Brasil como na Argentina. Lá, então, onde o desemprego provocado cresce há meia dúzia de anos, a tradição de influência política do sindicalismo argentino ruiu desmoralizada.
O sucesso da greve geral contra o desemprego argentino tem dois sentidos de mesma importância. De uma parte, a generalidade da greve indica que as conflitantes correntes sindicais superam as divergências, começando a recompor sua respeitável força. De outra parte, é notório que a reaproximação das correntes sindicais decorre da disposição comum de lutar contra os aspectos anti-sociais da política antiinflacionária.
Se é assim, a mensagem da greve fica bem clara: inicia-se na Argentina uma fase nova, em que o governo, além de perder parte da liberdade com que impôs à vontade tantos sacrifícios sociais, terá que buscar atenuações para muitos desses sacrifícios. O problema é que o plano argentino exige mais sacrifícios, e não menos, para sobreviver à erosão que o ataca e que irrita os seus patronos do FMI.
O episódio brasileiro é muito mais modesto, em todos os sentidos, por motivos variados. Sua expressão advém de não ser fruto da exaltação que, a um só tempo, impulsiona e enfraquece as ações da CUT. A invasão da sede paulista do Ministério da Fazenda -"nem que seja com violência", dizia antes o líder Paulo Pereira da Silva- foi feita sob o comando do mesmo Paulo e de Luiz Antônio de Medeiros, até então os dois restauradores do peleguismo, do sindicalismo que se alimenta nos gabinetes palacianos e empresariais.
A iniciativa da Força Sindical é uma incógnita quanto ao futuro. Mas não quanto ao motivo: a pressão de baixo, ocasionada pelo desemprego, torna-se insuportável pelos de cima. Isso já estava sugerido quando Força Sindical e CUT enfim convergiram para a obtusa tentativa de greve geral. A Força teve, agora, que avançar sozinha e com tática sempre repelida por suas lideranças. O sinal que aí existe é ainda indimensionável, mas não deixa de ser sinal.
Prova-o, também, o tratamento dado ao episódio. Quem viu na TV, mesmo em cenas deliberadamente rápidas, a violência do confronto entre sindicalistas e guardas, o líder Paulo Pereira com a cara arrebentada, em sangue, Medeiros esganado por um guarda, tinha razões para esperar mais imagens e informações, sendo o fato de óbvia relevância, no seu jornal impresso.
A greve argentina frequentou as primeiras páginas. O episódio brasileiro não mereceu, nos chamados grandes jornais de Brasília, São Paulo e Rio, figurar ao lado dos títulos, textos e fotos concedidos ao filme "Independence Day", aos chechenos sem novidade, à estréia prevista do Flamengo, e outras coisas de igual relevância. Para firmar a velha exceção à regra, a Folha publicou, na primeira página, uma foto da violência com legenda em duas linhas.
Nem que fosse só pela violência contra sindicalistas notórios e sempre apoiados pelos meios de comunicação, o episódio não poderia faltar nas primeiras páginas todas. Por coincidência, e não imaginemos que fosse por outro motivo, deu-se o oposto.
O que dá tranquilidade para manifestar aqui tal estranheza é outra coincidência: na Presidência da República e no Ministério das Comunicações também acharam, até antes de mim, que o episódio da Força Sindical merecia primeira página, e com destaque. Acharam e agiram.

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