São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996
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Vice do BID defende repartição de renda

Desafio é compatibilizar com ajuste fiscal

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Nancy Birdsall, vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), critica o padrão de distribuição de renda na América Latina e diz que o Brasil pode crescer até 8% ao ano.
Especialista em questões sociais, defende um modelo que compatibilize crescimento, ajuste fiscal e redução da desigualdade.
Nancy já trabalhou no Brasil e comandou nos últimos meses uma reestruturação interna no banco. A entrevista exclusiva à Folha foi dada no BID, em Washington.

Folha - Há poucas semanas o ministro da Economia do Chile reagiu com vigor às suas críticas à distribuição de renda no país. O que houve exatamente?
Nancy - O debate ocorreu porque o Banco Mundial acaba de publicar novos dados sobre distribuição de renda num grande número de países, mostrando que no Chile a distribuição ainda é relativamente insuficiente, comparada não apenas a outros países da América Latina, mas a todos os outros países em desenvolvimento. O ministro fez uma colocação, aliás importante, sobre a metodologia usada no levantamento desses dados. Mas o relevante, para países como Brasil e Chile, é que os níveis de desigualdade ainda são excessivamente elevados, como em toda a América Latina. A questão é qual o efeito dos programas de governo sobre essa desigualdade.
Folha - As políticas de estabilização trouxeram um alívio importante. Mas como será possível compatibilizar mais gastos sociais com programas de estabilização que estão sujeitos a crescimento baixo e cobranças de ajuste fiscal?
Nancy - Concordo totalmente que a estabilização foi benéfica para os mais pobres no Brasil, assim como aconteceu na Argentina. É importante preservar isso, não apenas para viabilizar o crescimento sustentado, mas para preservar o que os mais pobres conquistaram. É um ponto que, me parece, nem foi suficientemente divulgado, mas que os mais pobres tornaram claro, politicamente. Mas compatibilizar mais gastos sociais com disciplina fiscal é um grande desafio. É complicado.
Folha - A restrição é não só fiscal, mas de crédito e monetária. A economia não pode crescer demais.
Nancy - Acredito na possibilidade de uma boa gestão fiscal que, ao mesmo tempo, melhore o uso que se faz dos gastos sociais. A forma de fazê-lo é intensificando o foco e as metas das políticas ("targetting") nos mais pobres e deslocando os gastos para instrumentos que tenham menores custos. Por exemplo, deslocando gastos do ensino superior para o ensino primário, ou mudando a ênfase de hospitais sofisticados para atendimento médico primário.
Folha - Como você avalia o governo FHC dessa perspectiva?
Nancy - O governo de Fernando Henrique, nos últimos dois anos, claramente moveu-se nessa direção. Nosso objetivo com relação ao Brasil é estimular o "targetting" e a eficiência do gasto social, sem colocar em risco o lado fiscal.
Folha - E o problema do crescimento considerado excessivo?
Nancy - Acho que essa questão remete às questões de ordem fiscal que estamos discutindo. O governo foi absolutamente brilhante no manejo dos instrumentos macroeconômicos. Mas os custos de não conseguir dar maior credibilidade ao ajuste fiscal começam a ser sentidos. É o que leva então o governo a recorrer à política monetária muito apertada e à âncora cambial. Espero que o governo saia o quanto antes dessa situação, promovendo uma reforma estrutural do lado fiscal. O próprio Banco Mundial vem trabalhando com alguns Estados em programas de ajuste fiscal, num nível importante para a redefinição mais ampla do quadro fiscal. Essa mudança permitirá avanços na área social.
Folha - Não há um paradoxo no fato de que, nesse meio tempo, uma importante base de sustentação do governo, as classes médias, esteja sendo sacrificada?
Nancy - Concordo que de um ponto de vista político esse é um problema, e mesmo do ponto de vista de uma melhoria do clima social, um aumento do apoio a programas sociais requer o apoio das classes médias. Penso aliás que esse é um dos motivos pelos quais no BID tornou-se importante entender melhor as questões relativas à distribuição de renda, não apenas questões relativas à pobreza num sentido estrito.
Folha - Sem crescimento?
Nancy - O Brasil pode crescer de 6% a 8% ao ano. Mas é preciso fazer não apenas com que os pobres, os trabalhadores e a classe média sejam beneficiários do crescimento, e sim que sejam o motor do crescimento. No caso da classe média, a política de arrocho de crédito tem um custo muito alto. No caso dos pobres, trata-se de dar acesso a crédito e a educação. É preciso ao mesmo tempo aumentar a eficiência das pessoas e a equidade do sistema econômico.
Folha - Você acredita que a distribuição de renda possa tornar-se a partir de agora central nos modelos econômicos?
Nancy - Modelos de crescimento devem estar atentos à questão social. Acredito que isso é possível.

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