São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996
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Dois anos de Real: a outra visão

PAULO PAIVA

Após dois anos do Plano Real temos muito a comemorar e, certamente, ainda muito por realizar para transformar o Brasil em um país próspero e mais justo. A aprovação do programa de estabilização pela grande maioria do povo brasileiro evidencia que o plano melhorou a qualidade de vida da população, especialmente a dos segmentos mais pobres.
Há os que enxergam, mas insistem em negar esse avanço. Estão dominados pelo vício pessimista e pela visão derrotista. Antes convivíamos com a inflação e o desemprego. Agora temos um problema a menos.
O sucesso do Plano Real manifesta-se em um conjunto de indicadores importantes. A eliminação do imposto inflacionário beneficiou principalmente os mais pobres, transferindo renda dos segmentos médio e alto da população para os outros grupos que se encontravam nos estratos mais baixos da distribuição de renda.
De fato, estudos do Ipea mostram que, devido ao Plano Real, a parte da renda apropriada pelos 50% mais pobres aumentou 1,2 ponto percentual, enquanto a parcela dos 20% mais ricos reduziu sua participação em 2,3 pontos percentuais.
Outro estudo do Ipea evidenciou que a pobreza metropolitana diminuiu no país. Assim, a parcela das pessoas que se encontravam abaixo da linha de pobreza reduziu-se de 42,24% para 28,74%. Ou seja, cerca de 5 milhões de pessoas residentes nas principais áreas metropolitanas brasileiras romperam a linha da pobreza.
Esses resultados derivam não só da eliminação do imposto inflacionário mas também do crescimento dos rendimentos reais dos trabalhadores. No primeiro trimestre de 1996 a renda média real, para seis áreas metropolitanas, foi superior em 8,5% à registrada no mesmo período de 1995.
Atribuir o aumento do desemprego ao programa de estabilização constitui uma simplificação. O desemprego tem raízes estruturais e conjunturais.
Com relação às causas estruturais, destaca-se a abertura comercial que conduziu as empresas brasileiras a um processo de reestruturação produtiva. A resultante tem sido um formidável aumento da produtividade do trabalho, que, se de um lado aumenta a nossa competitividade, de outro amortece os efeitos positivos do crescimento do produto sobre o emprego. Assim, a produtividade na indústria de transformação aumentou 31% entre 1991 e 1995.
De fato, os dados do Ministério do Trabalho indicam que, no setor formal, foram eliminados cerca de 2,1 milhões de empregos entre janeiro de 1990 e dezembro de 1995. Essa perda origina-se da mudança do modelo de desenvolvimento da economia brasileira, que transitou de um processo de industrialização protegida para o de uma economia globalizada e competitiva. Todavia, nem todas as pessoas que perderam seus postos de trabalho ficaram desempregadas. Parte desse contingente abrigou-se no setor terciário, formal ou informal.
Com relação à conjuntura, a taxa de desemprego é sensível ao nível da atividade econômica. De fato, o desemprego aberto elevou-se com a recessão de 1990-92, declinando com a recuperação iniciada em 1993. Logo após a adoção do Plano Real, o desemprego consolida sua queda até atingir, no primeiro trimestre de 1995, a taxa de 4,34% para o conjunto das seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE.
Todavia a taxa de desemprego interrompeu sua tendência de queda em maio de 1995, elevando-se de 4,25% (PME/IBGE) em abril daquele ano para 6,03% em abril de 1996. O crescimento da economia brasileira, verificado no primeiro trimestre de 1995, era incompatível com a estabilidade dos preços e com o equilíbrio externo. O ajuste macroeconômico promovido pelo governo contribuiu para o aumento do desemprego conjuntural. Em maio de 1996 a taxa de desemprego voltou a cair para 5,9%.
O aumento marcante da informalidade e da rotatividade datam também de 1990. De um lado, segundo o IBGE, a participação dos autônomos e dos empregados sem carteira aumentou, nas áreas metropolitanas, de 39,3% em dezembro de 1990 para 47,8% em março de 1996. De outro, segundo o Ministério do Trabalho, a rotatividade cresceu 31% entre 1992 e 1995.
Não é coincidência que todos estes fenômenos tenham o início da década como origem. A abertura da economia gerou uma inflexão no comportamento do mercado de trabalho brasileiro. Um ambiente econômico crescentemente competitivo, em um contexto de elevados encargos sociais e de uma rígida legislação trabalhista, contribui para o aumento da informalidade, da rotatividade e do desemprego.
O governo FHC tem um programa de combate ao desemprego e de promoção do emprego. As propostas estão contidas no documento "O Mercado de Trabalho e a Geração de Empregos", divulgado pela Presidência da República.
A questão do emprego é complexa, exigindo da parte do governo e da sociedade ações negociadas para seu equacionamento e enfrentamento. Essencialmente, precisamos crescer de forma sustentada em um ambiente de estabilidade de preços para que o desemprego deixe de ser o falso vilão da política econômica e o alvo predileto dos que teimam em desconhecer os avanços do Plano Real, atribuindo-lhe responsabilidade por resultados indesejáveis no mercado de trabalho, cujas causas são mais profundas e mais remotas no tempo.

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