São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996
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Xiitas recuam na economia mundial

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou em junho o seu relatório semestral.
A OCDE prevê convergência dos processos de crescimento econômico e de ajuste fiscal nas principais economias desenvolvidas. E esta é uma forma de colocar a questão que, em geral, parece escapar aos economistas. Na Argentina, por exemplo, fala-se agora em novo esforço de ajuste fiscal e pronto. Mas como esperar ajuste nas contas públicas se a economia não consegue sair da recessão?
A OCDE coloca a questão de modo claro, pois não apenas afirma que uma retomada do crescimento viabiliza o ajuste fiscal, como levanta a preocupação com os riscos de programas exagerados de ajuste prejudicarem o crescimento.
A organização abre a guarda para políticas monetárias menos rigorosas justamente para que, no curto prazo, o esforço de ajustar as contas públicas não crie obstáculos ao crescimento econômico.
Vale citar: "Um desafio da política será assegurar que a consolidação fiscal simultânea não tenha efeitos adversos sobre a atividade na área da OCDE e que possa gerar ganhos de longo prazo suavemente. A política monetária deverá ser usada para evitar esse risco de curto prazo, tomando-se cuidado para não ameaçar o progresso que se fez na redução da inflação".
Traduzindo, a inflação será uma eterna preocupação, mas a prioridade agora deve ser aproveitar a convergência entre países que agora crescem para fazer o ajuste fiscal. A inflação deixa de ser meta de política econômica; passa a ser um parâmetro. O importante é não perder a oportunidade de melhorar as contas públicas enquanto todos estão crescendo. E tomar cuidado para que o próprio esforço de saneamento financeiro dos governos não reduza o crescimento econômico. Saneamento que, aliás, parece cada vez mais necessário, como ilustra o gráfico do crescimento igualmente "convergente" do endividamento líquido dos governos nas três principais economias e na média do G-7.
Sem xiitas
A novidade é conceitual, mas é também política. O problema fiscal é hoje praticamente universal, mas o tratamento xiita à questão é cada vez menos aceitável. A OCDE fala explicitamente em ajuste "suave". Seus técnicos não questionam a necessidade de saúde nas contas públicas para que as economias tenham um futuro promissor. Mas estão bastante distantes da filosofia fundamentalista ainda comum entre alguns teóricos.
A queda do ministro Cavallo é sem dúvida uma grande oportunidade para se refletir um pouco mais sobre os limites do "xiitismo" na política econômica. Um exemplo é Robert Barro, que na semana passada mostrou-se um exemplo notável recomendando que o desempregado Cavallo ocupasse o posto do ministro Malan.
Felizmente o ceticismo diante de posições xiitas não é exclusividade da OCDE, nem se aplica apenas à forma de encarar o ajuste fiscal. Há exatamente um ano dois economistas de prestígio, inclusive em temas internacionais, Maurice Obstfeld, de Berkeley, e Kenneth Rogoff, de Princeton, publicaram um pequeno texto na série do "National Bureau of Economic Resarch" (Working Paper nº 5191), nos Estados Unidos. Título do trabalho: "A Miragem das Taxas de Câmbio Fixas".
Os autores comentam as "profundas dificuldades" de se manterem regimes de câmbio fixo num mundo em que os mercados de capitais se expandem continuamente. E no texto há também um detalhe técnico, que parece menor, mas é tão relevante quanto o matiz da OCDE. Eles afirmam que, contrariamente à crença generalizada (a "popular wisdom", saber popular), os governos dos países industrializados têm recursos para defenderem suas taxas de câmbio.
O problema é o custo decorrente de um tal compromisso quando há abalos na credibilidade do regime cambial. Num mundo onde expectativas e confiança definem as regras do jogo, não há profissão de fé que sirva de âncora absoluta. Como dizia o velho marinheiro do velho samba, quando é grande o nevoeiro, leve o barco devagar.

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