São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996 |
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O corifeu da homofobia Antropólogo defende legalização do casamento de homossexuais LUIZ MOTT
Bicudo está atacado de uma perigosa doença: homofobia -o medo e ódio à homossexualidade. Patologia que se escora na mesma ideologia machista e ultra-retrógrada em matéria de feminismo, moral sexual e direito reprodutivo. Arvorando-se em dono da verdade, peca mortalmente em duas frentes: na contramão da história, ao negar a cidadania plena a 10% da população brasileira, constituída por gays e lésbicas, cujo direito à constituição de uma família estável lhes é peremptoriamente vetada, sob a alegação de que "o projeto da união civil entre pessoas do mesmo sexo estabelece a possibilidade da existência de uma família paralela, inteiramente discrepante dos grupos familiares contemplados pela Constituição Federal... atentando contra claros direitos e garantias constitucionais". Atenção ao absurdo: para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a igualdade de direitos dos homossexuais atenta contra os direitos garantidos pela Constituição. Segundo lógica tão perversa, também a abolição da escravatura foi inteiramente discrepante da legislação vigente, atentando contra os direitos e garantias constitucionais... dos senhores de escravos! Se não fossem os Josés do Patrocínio e Joaquins Nabuco de ontem, e os Genoínos, Suplicys, Roberto Jeffersons de hoje, a inquisição ainda estaria calando Galileu e queimando os sodomitas na fogueira, e os negros continuariam legalmente alijados da condição humana, como acontece hodiernamente com os homossexuais, cuja cidadania é lembrada apenas quando pagam impostos, sem o direito elementar de terem o reconhecimento civil de uma relação afetiva estável. Por trás desta oposição, esconde-se a mais diabólica intenção: manter os homossexuais na marginalidade, no "troca-troca" de casais, na promiscuidade, vítimas fáceis da chantagem, da Aids e da violência do "bas fond". O segundo pecado mortal deste corifeu da homofobia é o mesmo dos fariseus -raça de víboras, segundo palavras do próprio Cristo, que prometeu perdão a Sodoma e Gomorra, e o fogo do inferno a estes "sepulcros caiados". O comportamento de Bicudo parece com o de um morcego: "morde e sopra". Finge adular os gays, mas, no fundo, retira-nos o que de mais nobre existe na humanidade: o direito ao amor. Eis sua prosápia: "Ninguém nega aos homossexuais o exercício de seus direitos enquanto pessoas humanas que são. Esses direitos podem e devem ser livremente exercidos, e os interesses deles decorrentes encontram socorro adequado nas leis que regulam relações, direitos e deveres inscritos nas leis civis ordinárias e extravagantes". Extravagante é fossilizar uma lei caduca e homofóbica, em detrimento da dialética: a legislação deve ser adaptada às necessidades dos cidadãos. Se os casais homossexuais existem, se suas entidades de classe são legalmente reconhecidas e a sua discriminação proibida em 73 leis orgânicas municipais e três Constituições Estaduais, já não é tempo de constitucionalizar a cidadania plena aos gays, lésbicas e travestis? E perguntamos: quem determina o limite dos direitos dos homossexuais "enquanto pessoas humanas"? Para Bicudo, é o papa polaco -tão maléfico quanto o aiatolá iraniano-, ao anatematizarem ambos "o amor que não ousava dizer o nome" como "intrinsecamente mau"! Se o próprio deputado papa-hóstias reconhece que "a Igreja não é contrária ao prazer ou à alegria de dois seres humanos que se unem pura e simplesmente num ato de amor", porque negar aos gays e lésbicas este direito elementar de cumprir a lei áurea do cristianismo: "Amai-vos uns aos outros"? Se o próprio Filho de Deus não estabeleceu restrições ao amor, com que direito ousam os tutumumbucas da homofobia impedir a legalização do contrato de união civil que reconhece o amor entre dois seres humanos do mesmo sexo? Texto Anterior: Coluna Joyce Pascowitch Próximo Texto: O anarquista coroado Índice |
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