São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996
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As reformas possíveis

ESPERIDIÃO AMIN

Para não começar "chorando sobre o leite derramado", deixemos de questionar o fato de não termos concretizado a revisão constitucional, o que, sem dúvida, nos teria livrado do sufoco em que vivemos. Admitamos portanto que não estaríamos no Brasil se tivesse sido possível ter aproveitado aquela oportunidade e concluído, então, algumas das reformas essenciais.
Parece certo que o Real -um bem conhecido e desejado, por cuja sobrevivência o povo quer lutar- é o melhor indutor das reformas constitucionais necessárias à sua consolidação.
Contudo é preciso pagar o preço da imprevidência. "As consequências vêm sempre depois", dizia o filósofo do óbvio... Por isso, aprovar emendas constitucionais exige capacidade de eleger prioridades, isto é, ter "pontaria" e viabilizar resultados úteis.
Nenhum roteiro racional de revisão da Constituição poderia deixar de contemplar, em primeiro lugar, reformas políticas (fidelidade partidária, sistema eleitoral e redução do número de partidos em funcionamento legislativo), seguidas de reformas da ordem econômica, do Estado e, finalmente, dos sistemas tributário e previdenciário.
Pela via ordinária -a que nos resta-, parece evidente que esses 19 primeiros meses de governo não foram bem aproveitados com vistas a produzir reformas e seus efeitos.
Afinal, por que o governo preferiu o cronograma de reformas que está aí? Primeiro, cinco emendas da ordem econômica. Todas aprovadas. As mais importantes (telecomunicações e petróleo), ainda não ultimadas. Portanto sem qualquer efeito prático.
Ou seja, para um país que precisa de investimentos efetivamente geradores de empregos e que conta com a presença -em larga escala- do "dinheiro de motel", que desfruta dos nossos juros peculiaríssimos (ou caipiras?!), é incompreensível não atrair dinheiro bom para os setores mais dinâmicos da economia.
Após, foi concedida uma estranhíssima prioridade para a reforma da Previdência, a qual, sem qualquer dúvida, por dizer respeito a mortos, vivos, empregados, não-empregados, desempregados e "jubilados", exigirá de nosso Congresso o que tem sido exigido em todas as democracias do mundo: mais tempo e muita discussão responsável.
A reforma tributária, esta sim, urgente por significar conferir-nos competitividade num processo de globalização da economia, em que -despreparados- temos sido mais do que ingênuos, esbarra nas preliminares que a Câmara dos Deputados estabeleceu, antes mesmo do debate sob a ótica federativa, que o Senado tem o dever inalienável de promover. A administrativa também anda vagarosamente na Câmara dos Deputados.
Alguém aprovaria que essas oito propostas de emendas devessem -todas- ter seu processo legislativo iniciado na Câmara, congestionando sua capacidade deliberativa? Não seria necessário ser um gênio da racionalidade para fazer com que metade delas fosse apresentada por líderes de partidos governistas no Senado, otimizando o cronograma legiferante e facilitando o apressamento de resultados.
Por sinal, a emenda da CPMF -de iniciativa parlamentar no Senado-, que o governo acabou abraçando e, mais ou menos incrédulo, ajudou a aprovar, é (ou não?) um incidente anti-reforma tributária.
Além dessas questões, que já vão embolorando, temos tido as "iniciativas" de reeleição. Estou convencido de que, além do desejo efetivo e até certo ponto justo de ver apreciada e aprovada a emenda, alguns dos arautos da "reeleição" usam-na como assunto de fundo quando não têm nada de sério e pertinente a dizer. Conseguiram criar várias arestas, conscientemente ou não, para as verdadeiras prioridades do Brasil e do governo.
O que nos resta diante desse questionamento? Resta-nos escolher, agora, as prioridades das prioridades. Já que não conseguimos escolher as prioridades, teremos que diligenciar para escolher -o que é mais difícil- a síntese delas.
Daí, porém, a dizer que o Congresso é culpado por reformas que não são aprovadas com a velocidade que é necessária constitui injusta e imprudente crítica. O que é fundamental e possível, nos próximos meses, parece-nos, é apressar a regulamentação das reformas econômicas, a reforma tributária e deixar a da Previdência amadurecer.
Fora disso, estaremos propondo objetivos inviáveis e gerando (querendo ou não) mais frustrações.

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