São Paulo, segunda-feira, 12 de agosto de 1996
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Dívida dos Estados é bomba atômica impagável, diz Britto

ELEONORA DE LUCENA
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO

Aos 44 anos, o governador do Rio Grande do Sul, Antônio Britto (PMDB), se sente como o árabe do provérbio. O árabe juntava areia durante o dia. À noite, o vento levava tudo. "Eu junto areia de dia, para a taxa de juros de noite levar."
Britto acha que a política de juros altos cria uma bomba atômica impagável: a dívida dos Estados. Propõe bases para uma saída urgente. Não aceita discutir o fim de banco público: quer fundir os quatro lá existentes em um só.
Nesta entrevista, ele conta que o Estado está se recuperando da crise provocada pelo câmbio e pela política agrícola. Ataca a reeleição e critica o PMDB. A seguir, os principais trechos.
*
Folha - Como está o Rio Grande do Sul?
Antônio Britto - - O Rio Grande do Sul vive uma fase de recuperação, graças a um ano agrícola melhor do que 95, que foi o pior da história recente. Nós estamos tentando fazer uma grande cirurgia no setor público, para que ele pare de atrapalhar.
Folha - Por que não deu certo a privatização do Banco Meridional?
Britto - A privatização foi conduzida pelo governo federal, que foi amador. O momento foi o pior possível, tendo em vista a crise do sistema financeiro. E houve a falta de compradores.
Folha - Como é a sua proposta de junção dos bancos estatais gaúchos?
Britto - Ao contrário de todos os outros Estados, nós tínhamos aqui cinco bancos públicos. Um batendo cabeça com o outro. O Badesul (banco de fomento) foi incorporado ao Banrisul. O Banrisul é o banco estadual, que está maravilhosamente bem. O governo do Estado não deve um centavo para ele. O Banrisul enfrenta a concorrência do Meridional.
Há a Caixa Econômica Estadual, que é um banco pequeno e com grandes dificuldades. Há ainda o BRDE, que é uma sociedade com Santa Catarina e Paraná.
Eu não abro mão de que haja um banco de fomento no Rio Grande do Sul. O que eu acho que não é necessário é ter banco comercial. Minha proposta é juntar os quatro e ficar com um baita banco de fomento. Com uma só diretoria, um só prédio, uma só publicidade.
Folha - Mas um banco de fomento precisa ter esse tamanho todo?
Britto - Exigirá um ajuste na estrutura.
Folha - Teria de demitir e fechar agências?
Britto - Nós já demitimos, no programa de demissão voluntária, 12% a 13%. Fechamos mais de 80 agências de um total de 338.
Folha - O que muda com o socorro anunciado pelo governo aos bancos estaduais na semana passada?
Britto - O governo arrombou a porta para quem quer privatizar e deixou uma brecha para quem quiser fazer outras coisas. Nós vamos aproveitar a fresta e procurar reduzir o número de bancos no Estado.
Folha - Transformar quatro bancos em um é um avanço? O buraco não continua o mesmo?
Britto - Evidente que é. Não há buraco nenhum. Aqui não é Banespa.
Folha - Mas os bancos gaúchos não precisam de ajuda do governo federal?
Britto - O Banrisul e o Meridional não precisam. O problema da Caixa Estadual nós estamos resolvendo por meio do Banrisul e fazendo uma fusão.
Folha - Os Estados estão atolados em dívidas. Qual é a saída?
Britto - Em 91, a dívida mobiliária era de US$ 1,3 bilhão. A receita do Estado era de aproximadamente US$ 4 bilhões. Em 95, a dívida foi para US$ 3,2 bilhões. Mais do que dobrou por conta só da taxa de juros. Eu não aumentei um centavo, e hoje a arrecadação continua sendo US$ 4 bilhões, e a dívida está em US$ 5,5 bilhões.
Folha - O Estado está quebrado?
Britto - Eu estou há mais de um ano apelando ao governo federal para que se dê conta de que nós montamos uma bomba atômica. É uma bomba atômica impagável. Porque, na verdade, não houve grande parte dessa dívida. Há um principal e há um nojento processo de incorporação de juros e spread. O governo federal agora parece que se dá conta da gravidade disso, até porque enfrenta o mesmo problema.
A saída é negociada e parte de pressupostos: tem de resolver logo e não pode resolver para quem não entrar num spa. Esse negócio não pode ser porta da esperança. A idéia é fatiar a dívida em três partes. Uma será paga com amplas garantias ao governo federal. A segunda seria amortizada com recursos da privatização. A terceira é obtida por meio de uma taxa de juros mixada entre a taxa interna e externa, somada a um prazo de 30 anos, para permitir expurgar o que foi espuriamente colocado.
Folha - Qual foi o tamanho do ajuste no Estado?
Britto - Assumi com 210 mil funcionários. Hoje tenho 180 mil. Já extinguimos dez empresas. Reduzimos despesas de custeio de 12% do orçamento, para 7,5%. Agora vamos começar a ter recursos da privatização.
Folha - O sr. critica a política de juros formulada pelo governo Fernando Henrique, que o sr. apóia.
Britto - Todo mundo sabia que o Real tinha a âncora do câmbio e a dos juros. Eu não me queixo disso. Só que, para mim, âncora é muleta. Se fosse para sempre eu não queria. Para mim, juros e câmbio vinham como contrapartida temporária a um esforço para bater na inflação.
Eu sou árabe e me sinto como naquele provérbio árabe. Junto areia o dia inteiro, me mato no sol e deixo de noite. Vem o vento do deserto, leva tudo. Eu durmo todo dia feliz da vida porque cortamos. De noite, a dívida do Rio Grande do Sul aumenta US$ 8 bilhões. Eu sou o árabe do provérbio. Eu junto areia de dia para a taxa de juros de noite levar.
Não há como não dar uma solução estrutural para a dívida mobiliária. Ela não vai implodir o meu governo; ela vai implodir o Brasil.
Folha - Além do problema dos juros, o Estado foi atingido também pelo aperto na agricultura no ano passado.
Britto - O câmbio derrubou as nossas exportações. Tivemos superoferta de alimentos, queda de preços, taxa de juros e endividamento, seca e enchente. Fomos atingidos também pelos aspectos positivos: Mercosul, venda de alimentos.
Folha - Muitas empresas estão saindo do Rio Grande do Sul.
Britto - Nós trouxemos para cá US$ 4,5 bilhões, e uma indústria de calçados está abrindo uma fábrica no Ceará de US$ 40 milhões. Porque o salário lá é mais baixo. Outra se recusou a cumprir os troços de meio ambiente e nós botamos para correr.
Folha - Alguns empresários gaúchos temem que uma certa "síndrome de Uruguai" se abata no Rio Grande do Sul. Ou seja, depois de viver anos de crescimento, o Estado entre em estagnação.
Britto - Essa é uma bobagem estatística. O Rio Grande do Sul ultrapassou Minas e é o segundo Estado exportador brasileiro, com um PIB igual ao do Chile.
Folha - Como está o PMDB?
Britto - Nós vivemos um exercício diário de esquizofrenia. De um lado o partido no Estado é maravilhoso. Quando vai olhar para o PMDB nacional, a gente tem uma situação de muito desânimo. Somos uma confederação de pessoas e de programas que só se fala pelos jornais.
Folha - O sr. é favorável à reeleição?
Britto - Eu continuo sendo contra a reeleição. Eu acho um negócio meio complicado dizer que só vai ter no governo federal, em São Paulo, Rio Grande do Sul e não vai ter no Acre. Que vai ter na cidade de São Paulo e não em Botucatu.
Acho que a reeleição onde a sociedade, a opinião pública, a imprensa, o Judiciário são fortes não traz problema algum. Só que dois terços dos municípios brasileiros não têm opinião pública. E a reeleição vai destruir duas gestões: a primeira pelo esforço de se reeleger e a segunda para pagar a conta.

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