São Paulo, terça-feira, 13 de agosto de 1996
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Adeus à lógica

LUÍS PAULO ROSENBERG

Uma das contribuições pedagógicas mais notáveis do Real foi ensinar à população, desde os tempos da URV, que um bom programa de estabilização é incompatível com a enganação do controle de preços.
Em vez de assumir a utópica função de controlar os milhares de preços da economia brasileira, era proposta do Real fomentar a competição entre empresários, quebrar os cartéis, abrir a economia à produção e aos produtores estrangeiros.
O governo reconhecia que só um empresário concorrente consegue fazer outro empresário andar na linha, não abusando do consumidor, seja pela elevação de preços, seja pela deterioração da qualidade do produto.
A vaca começou a ir para o brejo quando as estatais começaram a exigir reajustes tarifários. Recomendava o bom senso que os responsáveis pelo Plano Real dessem-lhes uma banana, alegando que, em fase de implantação de um programa de estabilidade nada deviam a monopólios públicos, cujos preços tinham sido acertados em URV.
Infelizmente, preços administrados vêm sendo reajustados desde o primeiro ano do Real.
A desmunhecada seguinte veio com as prestações dos planos de saúde.
Como o setor vinha sendo preservado da concorrência estrangeira, nadava de braçadas na ampliação de suas margens de lucro. O governo, demagogicamente, finge interferir nos reajustes, violando seus compromissos anteriores e ressuscitando o fantasma do controle de preços.
A ruptura definitiva do compromisso com a competitividade como forma suprema de defesa do interesse do consumidor veio com a volta do protecionismo. De repente, já não era tão mau que o brasileiro voltasse a pagar o triplo do resto do mundo para possuir um carro japonês, comprar um brinquedo chinês ou mesmo saborear um bom vinho francês.
Desde então, a volta à idade das trevas é um fato.
A lei tabelando multas por atraso de pagamento é gaiatice. O Banco Central pratica os juros mais destrutivos da história, debilitando o Tesouro, os bancos e os varejistas.
Pode-se dizer que a inadimplência é uma das maiores ameaças ao Real, pois a cada Proer consome-se mais um pouco de capacidade de investimento do setor público
Ninguém é obrigado a pagar multa por inadimplência, basta administrar seu orçamento com cautela. Neste sentido, a multa elevada é um alerta correto ao consumidor.
Ao reduzir a multa no tapa, o governo barateia o calote, induz o consumidor à insolvência e agrava a crise bancária.
No mesmo sentido, a discussão sobre quem arca com o custo de se ter um botijão de gás confiável é cômica.
Seja remunerando a base de capital do distribuidor, se for ele o dono do botijão, seja incluindo a taxa de manutenção do botijão no preço final, se ele for do consumidor, quem usa paga. Ou alguém acredita que é o padeiro quem paga o saquinho onde carregamos o pão da padaria para casa?
O mesmo vale para tarifas bancárias. Deixemos a concorrência entre bancos fazer com que o abusado perca clientes para o agressivo, quando aquele tentar explorar o consumidor. Em cidades pequenas, sem concorrência, vamos recomendar ao Banco do Brasil que diminua seu prejuízo bestial capturando clientes dos exploradores, praticando taxas razoáveis.
Mas, em tempos de eleição, às favas os escrúpulos desde que o beneficiário do plano de saúde, a dona-de-casa comprando gás engarrafado ou os correntistas em geral acreditem que o governo está protegendo-os e não os iludindo.
Retroceder na educação do consumidor brasileiro parece ser o preço baixo a pagar para eleger tucano candidato a prefeito, que não está conseguindo decolar nem com turbina a jato implantada na asa.

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