São Paulo, terça-feira, 13 de agosto de 1996
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A crise na Venezuela 2

LUÍZ NASSIF
A CRISE NA VENEZUELA 2

Não há melhor maneira de avaliar do que o Proer livrou o Brasil, do que uma análise da crise bancária venezuelana -como se pode depreender de um programa especial sobre o tema que a Rede Bandeirantes pretende levar ao ar nas próximas semanas.
Há muitos pontos de coincidência, tanto nos antecedentes da crise, como na maneira inicial com que o Banco Central brasileiro tratou da questão.
Ponto 1 - Os bancos brasileiros que foram liquidados nos últimos meses estavam quebrados desde 1986, e ganharam sobrevida por meio da manipulação de balanços. Os bancos venezuelanos estavam quebrados desde 1983, e recorreram ao mesmo artifício.
Ponto 2 - Tanto o Banco Central brasileiro quanto a Superintendência dos Bancos na Venezuela mantinham estilos de fiscalização formais e ultrapassados, incapazes de detectar modernas formas de operação. Os balanços eram manipulados, a ponto do caixa 2 do sistema venezuelano ser duas vezes maior do que a contabilidade oficial.
Ponto 3 - Nos dois países, na busca da sobrevivência, esses bancos recorreram a esquemas pesados de especulação, desviando dinheiro para coligadas.
Ponto 4 - Durante todo esse período, em nenhum momento sucessivos governos cuidaram de obrigar os bancos a se recapitalizarem. Trataram apenas de transformar expediente provisório (redesconto de liquidez) em instrumento permanente de auxílio.
Ponto 5 - Em ambos os países montou-se uma política irresponsável de atrair dólares via mercado de taxas. No caso da Venezuela, instituiu-se compulsório de 80% sobre os depósitos bancários.
Com a crise de liquidez, o custo de captação subiu para 70% ao ano. Ao mesmo tempo, abriu-se sem limites a captação de dinheiro externo. Com o custo dinheiro oficial nesses patamares, não havia tomadores na outra ponta. A consequência foi que os bancos captavam recursos externos e desviavam para empresas coligadas, diretores ou troca de chumbo.
Ponto 6 - Quando o primeiro grande banco apresentou problemas de liquidez, as autoridades optaram pela decisão política de fechá-lo (no caso da Venezuela, por ter financiado a campanha de um outro candidato à presidência), espalhando o pânico pelos demais correntistas.
Ponto 7 - Quando espalhou-se o pânico, em vez de buscar soluções estruturais, as autoridades resolveram acudir cada banco individualmente, por meio do redesconto. O dinheiro que entrou por uma porta saiu pela outra.
No caso da Venezuela, o que banqueiros e correntistas recebiam de ajuda era imediatamente convertido em dólares, e remetidos para fora do país. O próprio governo venezuelano financiou a fuga de dólares, reduzindo as reservas cambiais de US$ 12 bilhões para US$ 4 bilhões em poucos meses.
No caso brasileiro, ainda não está claro o que o Econômico e o Nacional fizeram com os recursos da assistência de liquidez.
Ponto 8 - O governo venezuelano ingressa em uma outra fase, estatizando bancos quebrados. Com a estatização, o mico fica com o governo, já que os bancos perdem presença no mercado e valor de revenda. Depois, numa outra mudança da rumo, o governo venezuelano opta por transferir os passivos para os bancos estatizados -sem transferir os respectivos ativos. O mico fica com o governo.
Ponto 9 - Finalmente, com metade do sistema venezuelano quebrado, a inflação de volta e a crise instalada, a Venezuela decide implementar um programa de capitalização estrutural do sistema. Com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, mais recursos orçamentários equivalentes a 1,2% do PIB, o país vai financiar os banqueiros, no seu processo de recapitalização.
Ajuda
O presidente Rafael Caldera, que iniciou seu governo denunciando a ajuda aos bancos pelo governo anterior, pela absoluta falta de conhecimento sobre o funcionamento dos mecanismos bancários, acabou concedendo ao setor o mais amplo programa de subsídios da história do país -sem ter estancado a crise sistêmica.
No caso brasileiro, a demora em atacar os problemas estruturais do sistema, deixou a crise sistêmica a poucos passos de uma eclosão. O que segurou-a foi o Proer, que interrompeu em parte o processo de desconfiança que se abatia sobre o sistema.
Falta agora ao BC chegar ao estágio em que se encontra hoje em dia a Venezuela. Um amplo levantamento da situação real de todos os bancos e a definição de prazos rígidos para seu enquadramento nas normas de Basiléia.

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