São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 1996
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O plano em ação

JANIO DE FREITAS

O negócio, sem igual na história das imoralidades governamentais, em que o governo federal e a Igreja Universal permutam impunidades por apoio ao candidato do PSDB a prefeito de São Paulo, não decorreu, como se tem divulgado, da estagnação de José Serra no subsolo das pesquisas eleitorais. O negócio faz parte de um planejamento mais antigo.
As negociações entre o governo federal e os representantes do bispo Edir Macedo começaram quando Sérgio Motta sonhava em deixar o Ministério das Comunicações para candidatar-se a prefeito de São Paulo. Dois eram os seus problemas para enfrentar a campanha: o eleitorado, que o desconhecia, e a saúde, que já lhe exigira uma cirurgia cardíaca, ainda recente então, e persistia em outras insolências, como diabetes.
Edir Macedo e seus bispos foram vistos como solução para o primeiro dos dois problemas de Sérgio Motta. O que aconteceu, se não antes, pelo menos desde que o "Globo" publicou, em fevereiro, uma série de reportagens sobre as ilegalidades, muito graves, praticadas na compra da TV-Record Rio por membros da Igreja Universal.
A partir das denúncias, a situação da TV tornou-se objeto das conversações com o governo. Em abril ficou selado o entendimento. Como ontem noticiou o mesmo "Globo", nos dias 9 e 31 de maio Sérgio Motta mandou à Presidência propostas de "legalização" da posse das TVs Record Rio e Cabrália (sul da Bahia), ambas recebendo a autorização de Fernando Henrique Cardoso em 4 e 17 de junho.
A preparação do entendimento com os bispos da Universal não começou antes da sugestão involuntária do "Globo". Começou no ano passado a morosidade dos inquéritos e processos contrários a Edir Macedo e seus bispos. Não há notícia de que qualquer dos tantos inquéritos e processos tenha produzido qualquer efeito concreto. Mas não faltam notícias de inquéritos adormecidos até há oito meses.
Sérgio Motta e Fernando Henrique Cardoso resolveram o primeiro problema, criando uma base eleitoral artificiosa para a pretendida candidatura. Mas o segundo problema desaconselhou-a. Os bispos de Edir Macedo sentiram-se livres do compromisso e, já no lucro, retornaram à sua disposição inicial: apoiar o candidato de Paulo Maluf, como haviam prometido ao próprio ainda antes que o escolhido fosse anunciado.
Quando Serra decidiu trocar o ministério pela candidatura, a Igreja Universal já estava comprometida com Maluf-Pitta. Os seus dois problemas maiores, mas não únicos, com a legislação operada pelo Ministério das Comunicações já estavam resolvidos. Se bem que recebendo ótimo tratamento de sonoterapia, pendiam ainda, porém, problemas variados na Receita Federal, no Banco Central, na Polícia Federal e na Procuradoria Geral da República.
Mas tais problemas não levaram a apressar o comando da Universal a entender-se com os patronos da candidatura de Serra. Muito ao contrário. Ou por indústria, ou por não aceitar Serra, o comando paulista da Universal não se mostrou suscetível às tentações do governo federal. O impasse foi resolvido pelo sistema que uma anedota consagrou sob o nome de "dá ou desce". Mais vulgar do que a anedota, usa-se também a denominação chantagem. Havia, afinal, os problemas pendentes.
Entre figuras de cúpula da Igreja Universal, consta que, em altura das negociações ainda não precisada, houve um encontro sigiloso de representante seu com o presidente da República, fora de Brasília. Com a finalidade de assegurar-se de compromissos cuja execução não ficaria no âmbito formal de Sérgio Motta.

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