São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 1996
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Os neopopulistas neoliberais

LUÍS NASSIF

Ao assumir a presidência da Venezuela, em 1994, Rafael Caldera resolveu colocar em prática uma política neopopulista, em ampla confrontação com o modelo aberto de seu antecessor, Carlos Andréz Perez -afastado em 1993, sob suspeita de corrupção.
Caldera recusou o aumento de impostos -que o Congresso lhe ofereceu, depois de ter recusado a Perez-, interveio vigorosamente no sistema bancário, levando a uma crise sistêmica.
Depois, congelou câmbio e preços. Em pouco tempo, a inflação explodiu, as reservas cambiais evaporaram e a crise bancária custou 18% do PIB, produzindo recessão e desemprego.
Agora, o país está empreendendo o duro caminho de continuar o processo de reconstrução iniciado por Perez. Caldera e sua equipe de assessores -quase todos ligados à esquerda histórica latino-americana- jogaram todas suas fichas num programa de governo batizado de "Agenda Venezuela" que em quase nada difere das propostas originais de seu antecessor.
Trata-se de um projeto "neoliberal" (para a rapaziada que gosta de rótulos) que nada fica a dever aos processos de abertura de outros países latino-americanos.
Meses atrás, aliás, Caldera convocou rede de emissoras para anunciar o fim do congelamento de preços e do controle de câmbio, aumento de impostos, privatização, reforma nos serviços sociais.
Prometeu inflação e mais recessão no curto prazo; esperança até o final do ano; e crescimento a partir do próximo ano.
Durante o pronunciamento, o ministério acompanhou com o coração na boca. Em 1992, quando Perez anunciou programa semelhante, com menos de 17 dias de governo, enfrentou manifestações que levaram ao "caracazo" -300 mortos e 3.000 feridos.
Felizmente, a oposição agora era situação, e não sobrou ninguém para botar fogo na gasolina.

Cavallo local
O Domingo Cavallo de Caldera é seu ministro do Planejamento Teodoro Petkoff, um intelectual de esquerda, ligado a movimentos radicais dos anos 70, hoje deputado de um pequeno partido de esquerda, convocado há dois meses para reformar o país.
"É um absurdo o Estado venezuelano dispor de 800 mil funcionários, enquanto a administração direta no Brasil tem 500 mil", disse Petkoff ao colunista.
A "Agenda Venezuela" segue o receituário clássico.
O principal objetivo é reduzir a inflação mensal (hoje em 7%) para 1,5% a 2% no segundo semestre de 1996 e para 1% em 1997. Não por coincidência, é a primeira meta, para um país que convive com as mais altas taxas de desemprego da história.
Para atingir os objetivos propostos, o plano tem forte componente fiscal, visando trazer o déficit fiscal de 4,6% em 1995 para 1,6% este ano.
Para tanto, vai-se recorrer a aumentos de impostos e de tarifas, reforma da seguridade social (inclusive investindo contra chamados direitos adquiridos), reforma do Estado, com aceleração da privatização.
Mercado
Depois, uma ampla ênfase à economia de mercado. De 1995 até agora, o número de produtos com preços controlados havia se reduzido de 55 para 12. Agora, o governo liberou os derradeiros preços, medicamentos e alguns produtos básicos.
Essa desregulamentação atingiu também o sistema de câmbio. Acabou-se com o controle, substituído por um sistema de bandas, igual ao brasileiro. E uma das prioridades do governo é aumentar as reservas cambiais em US$ 1,6 bilhão este ano e US$ 1,2 bilhão no próximo ano.
O plano foi submetido ao FMI. E é com esse dinheiro que o governo conta para reconduzir a Venezuela de volta ao caminho do desenvolvimento.

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