São Paulo, quinta-feira, 15 de agosto de 1996
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Sangue, vergonha nacional

JORGE DARZE

Embora o Brasil possua uma das legislações mais avançadas na área do sangue, paradoxalmente, sua população não dispõe de uma rede capacitada para garantir produto de boa qualidade. O fato é comprovado pelo Ministério da Saúde em recente vistoria realizada em cem instituições que lidam com sangue em todo o país. Trinta e quatro delas receberam autos de intimação, interdição e apreensão, enquanto as demais apresentaram diagnóstico satisfatório, porém com restrições. Justamente elas são responsáveis pela quase totalidade dos gastos nacionais com o setor e com as transfusões de sangue.
No Rio de Janeiro metade das unidades fiscalizadas foi considerada insatisfatória. Responsável pela fiscalização no Estado, a Vigilância Sanitária não possui estrutura para desempenhar um bom trabalho, e os dois únicos hematologistas do órgão recebem R$ 160 mensais de vencimento básico. O Rio registra irregularidades em todas as etapas de processamento do sangue: falta critério na seleção e registro dos pacientes e no fracionamento do sangue. Falta pessoal técnico adequado, e há falhas no armazenamento do produto coletado. Como problema ainda mais grave, verificamos que os testes obrigatórios nos bancos de sangue são feitos de maneira precária ou mesmo não são realizados. Relatório da Secretaria Estadual de Saúde atesta que, anualmente, 34.650 transfusões apresentam problemas. De 1984 a 1995 foram notificados 921 casos de Aids contraída em transfusões sanguíneas, mas o número pode ser bem maior, já que muitos casos não são notificados.
Por sua vez, o Serviço de Auditoria do Ministério da Saúde possui carência de 210 médicos para fiscalizar as mil instituições da área em todo o país. Apesar dessa realidade, a previsão orçamentária do Programa de Sangue e Hemoderivados do órgão, para 1996, calculada em R$ 36.790.300,00, caiu quase R$ 10 milhões ao longo dos primeiros cinco meses do ano, sem que nenhum centavo tivesse sido gasto com o setor. E em 1995 os R$ 20.775.151,00 despencaram para R$ 11.175.151,00, quando apenas 0,83% foram gastos no programa. Como se não bastasse, desde 1994 o MS paga em dobro pelos testes de sangue, mesmo quando os primeiros são feitos em centros de qualidade.
É preciso, enfim, que os governos assumam o seu dever legal de garantir uma política de sangue que atenda aos interesses da população, investindo recursos expressivos, capacitando a área de fiscalização com pessoal suficiente e qualificado, que permita uma vigilância permanente, livrando definitivamente o Brasil dos "vampiros" clandestinos.

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