São Paulo, sexta-feira, 16 de agosto de 1996
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Cientistas curam mal de Chagas em ratos

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma equipe liderada por Júlio Urbina, do Instituto Venezuelano de Investigações Científicas de Caracas, descobriu uma cura para o mal de Chagas, doença parasitária que afeta 18 milhões de pessoas na América Latina.
Por enquanto a cura só foi demonstrada em camundongos de laboratório, mas os pesquisadores estão otimistas que ela seja eficaz também em seres humanos.
A razão do otimismo, disse Urbina em entrevista por telefone à Folha, "é que esta é a primeira vez que se consegue curar um animal. Esse resultado é inédito: curar no sentido de eliminar o parasita do organismo".
E curar um camundongo não é mais fácil do que curar um ser humano. "O camundongo é difícil de curar -as concentrações das drogas são dez vez maiores, em relação ao peso, do que as requeridas para humanos", disse Urbina.
A descoberta está publicada na edição de hoje da revista "Science" -a mesma que traz o relato da pesquisa sobre vida em Marte.
Os resultados preliminares da descoberta foram divulgados em 1995 em Caxambu (MG), durante a última reunião anual internacional sobre doença de Chagas.
A droga "foi capaz de prevenir a morte e induzir a cura parasitológica em 70% a 90% dos animais", diz o artigo.
A doença de Chagas é causada por um protozoário (animal unicelular), o Trypanosoma cruzi. Também conhecida como tripanossomíase americana, a doença apresenta uma infecção inicial e uma fase crônica, anos depois, na qual o coração é afetado.
A droga usada na cura, a D0870, foi eficaz em tratar animais sofrendo tanto da forma inicial como da crônica. Pesquisada pela equipe de Urbina, que inclui cientistas também da França e Reino Unido, tem sido usada basicamente contra infecção por fungos.
Ela tem duas grandes vantagens: é seletiva, só atacando o metabolismo do parasita, e permanece longamente no tecido celular infectado. Esse é um ponto crucial, pois o parasita penetra nas células e precisa ser destruído lá dentro.
Duas drogas são usadas hoje para tratar a etapa inicial da doença, mas não existe tratamento, até agora, para a fase crônica.
Cerca de 30% dos doentes apresentam complicações cardíacas. A doença pode ser fatal. O tripanossomo também afeta o fígado, o baço e a pele.
O Trypanosoma cruzi é transmitido pela picada do barbeiro, inseto comum no Brasil. Acredita-se que cerca de 10% da população rural brasileira seja portadora.
O nome da doença é uma homenagem ao pesquisador brasileiro Carlos Chagas (1879-1934), descobridor do agente causador da doença e do método de transmissão. O nome do parasita é uma homenagem feita por ele a outro cientista brasileiro, Oswaldo Cruz.
A Organização Mundial de Saúde estima que a doença mate 45 mil pessoas a cada ano.
Urbina espera que o próximo passo seja o uso clínico da droga nos próximos dois anos em países latino-americanos.

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