São Paulo, sexta-feira, 16 de agosto de 1996
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Os EUA de Ted Roosevelt e o Brasil de hoje

SÉRGIO DANESE

Theodore Roosevelt, presidente dos EUA de 1901 a 1909, e Woodrow Wilson, presidente de 1913 a 1921, foram, cada um a seu modo, exemplos da então nascente "diplomacia presidencial" norte-americana, quando o país se tornava potência global.
Ambos forjariam doutrinas de política externa, o "big stick" e o utopismo internacionalista wilsoniano. Roosevelt foi o primeiro presidente norte-americano a viajar oficialmente ao exterior, visitando o Panamá recém-independente e seu canal; Wilson foi o principal protagonista da Conferência de Paz de Versalhes, que criou a Liga das Nações. Mas há mais em comum, entre os EUA de então e o Brasil de hoje, do que a descoberta da "diplomacia presidencial". As biografias dos dois presidentes e uma viagem à sua época surpreendem os brasileiros de hoje pela coincidência nas agendas dos dois países.
Concluída a reconstrução após a Guerra Civil de 1861-1865, os EUA do começo do século cresciam a um ritmo acelerado, em meio a inúmeros conflitos políticos, econômicos e sociais de grande complexidade, e estavam diante de muitas encruzilhadas para fixar o seu modelo de desenvolvimento.
Elas foram o centro da ação de Ted Roosevelt e Wilson, primeiros presidentes dos EUA a ter projeção histórica depois de Lincoln, e ilustram os saltos qualitativos na formação de um país. Apesar da diferença de formação histórica entre os dois países e da distância entre as épocas, impressiona a frequência com que essas realidades e desafios dos EUA do começo do século se aparentam com as encruzilhadas brasileiras atuais.
A simples enumeração das coincidências é útil para a reflexão no Brasil, um país onde o velho, que ainda não morreu, luta com o novo, que ainda não acabou de nascer, para usar a definição gramsciana de crise. Com diferenças em função das forças que os levaram ao poder e de suas próprias personalidades e visões do mundo, Roosevelt e Wilson enfrentaram pressões, problemas e o imperativo de ações nas seguintes áreas:
1) isolacionismo versus internacionalismo em política externa; 2) choque de interesses regionais (nordeste, sul, meio-oeste e oeste); 3) papel da União no desenvolvimento econômico e social; 4) acomodações na estrutura partidária (Roosevelt criaria um partido, o Progressista, nas eleições de 1912); 5) clientelismo político e personalismo na condução das máquinas partidárias.
6) Desestruturação e despreparo do serviço público; 7) corrupção administrativa; 8) corporativismo no serviço público; 9) corrupção eleitoral; 10) representação popular (eleição dos senadores, então feita por via indireta); 11) corrupção na polícia; 12) violência policial e abusos contra os direitos humanos, em geral, e contra trabalhadores urbanos e rurais e imigrantes, em particular; 13) segregação de minorias, especialmente da comunidade negra, e preconceito contra imigrantes de certas origens; 14) direitos da mulher.
15) Direitos dos índios; 16) abuso de poder econômico pelas grandes corporações e formação de trustes e oligopólios, especialmente na área de serviços públicos; 17) definição de direitos trabalhistas e problema do trabalho infantil; 18) carência de recursos e despreparo das Forças Armadas face às necessidades de defesa e projeção externa do país; 19) conflitos pela posse de terras, especialmente em novas fronteiras agrícolas e em áreas indígenas (apesar de o "Homestead Act", a reforma agrária em terras da União, datar de meio século antes).
20) Uso predatório do meio ambiente, especialmente dos recursos florestais; 21) disputas de competência e de poder entre a União e os Estados; 22) protecionismo versus liberalismo comercial e definição do grau e do alcance da proteção tarifária; 23) direitos do consumidor; 24) exigência de créditos especiais para o setor agrícola; 25) fortalecimento da moeda e criação de autoridade monetária independente (o Fed seria criado sob Wilson).
Dirá o leitor se não estamos, de certa forma, descrevendo o Brasil de hoje ao recordar aspectos dos EUA de Roosevelt e Wilson. Lá, vencer esses desafios pressupôs, além de certo tempo, a normalidade do sistema democrático, um debate concentrado em questões concretas e não em falsas opções ideológicas e os progressos obtidos no sonho americano de melhor distribuição da riqueza, acesso a bens materiais, redução da desigualdade e acesso à educação básica.
Mas o sucesso pressupôs também uma firme liderança presidencial e a consciência clara das competências, responsabilidades e limites constitucionais da União.
Não se trata de fórmula, mas é bom lembrar que o jogo dos desafios deu relativamente certo nos EUA, embora tenha levado tempo. Há lições a aprender em Ted Roosevelt, um dos mais populares presidentes dos EUA, cuja obra interna é desconhecida no Brasil, onde tende a ser visto apenas como pai do "big stick" e do intervencionismo.
Com democracia, distribuição da renda, educação e liderança com sentido de futuro, esse jogo pode ter bom resultado também no Brasil. É o que espera a geração que nasceu durante o desenvolvimentismo dos anos 50, a última vez em que pareceu que o Brasil daria certo, e que agora, pela primeira vez, vê renascer essa perspectiva.

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