São Paulo, segunda-feira, 19 de agosto de 1996
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"Callas" é para quem ama a arte e o grande artista

MARÍLIA PÊRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Maria Callas: a Mulher por Trás do Mito", de Arianna Stassinopoulos, é um livro imperdível para quem ama a arte e o grande artista.
Entre as linhas de uma excelente biografia (a mais completa sobre o tema até hoje), percebe-se que o assunto essencial dessa obra é: assassinato cultural.
Não me lembro de ter lido algo assim contundente sobre assassinato cultural. Maria Callas, a cantora mais importante de todos os tempos, foi assassinada.
A autora, despudoradamente, toma o partido da diva e isso faz com que a biografia nos pareça real, profundamente científica, sem deixar de ser "operística". É uma ópera trágica e bela.
Ainda não li sobre as vidas de Elis, Dalva ou Carmen Miranda. Essas três deusas brasileiras foram também vítimas de assassinatos culturais.
Tive o privilégio de interpretar Carmen e Dalva, e interpreto, no momento, Callas, no teatro, em "Master Class". E houve um tempo em que minha vida andou por perto da de Elis. Conheço o tema.
Por que se ama e se odeia tanto quem possui a chama? Por que idolatrar o artista em seu apogeu ou desprezá-lo quando ele não consegue atingir os níveis de perfeição exigidos em troca dessa idolatria?
Com que direito um repórter se esconde na sala onde Callas (amargamente deprimida) tenta, com suas últimas forças, recolocar a voz em forma?
Com que direito esse repórter escreve no dia seguinte em seu jornal "uma grande matéria", um "furo", declarando a diva vocalmente liquidada?
Com que direito, na mesma ocasião, um diretor qualquer de um teatro qualquer (há certos nomes que não se deve lembrar) diz à ela: "Não, Maria, sinto muito, mas você não pode mais cantar!"?
O que é isso? Que impunidade protege essa gente que matou Maria Callas, num momento de sua vida em que ela já estava profundamente ferida e fragilizada, rejeitada publicamente pelo único homem que amou, Aristóteles Onassis?
E se alguém tivesse indicado a ela um bom analista? E se ela não passasse de uma das milhares de vítimas dessas alergias que nos tomam a voz por algum tempo até que um médico sensível e amante das artes nos purifique as cordas vocais outra vez?
Ela não levava psicanálise a sério e não sei se alergias eram conhecidas na época da maneira como são hoje. O que sinto, lendo esse belo livro, é que alguém genial daquele jeito só podia ser aceito e amado como gênio depois de torturado até a morte.
As pessoas de minha idade, um pouco mais velhas, um pouco menos, sabem que Chico Anysio é um dos maiores atores que esse país já teve.
Então por quê?
Frágil mocinha, a Maria.
Dura e preciosa pedra, La Callas.
Arianna nos deixa uma clara lição: se você vai escrever uma biografia, pesquise, derrube barreiras, sacrifique-se, lute. Mas, acima de tudo, se apaixone pelo ser alvo da biografia.
É como nos sentimos ao terminar a leitura do livro: apaixonados por Maria Callas.

Livro: Maria Callas: a Mulher por Trás do Mito
Autora: Arianna Stassinopoulos
Preço: R$ 36 (400 págs.)

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