São Paulo, terça-feira, 20 de agosto de 1996
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Virilio teme o novo 'Terror'

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

O tema do urbanista francês Paul Virilio é a velocidade. O de parte de seus leitores da América, que usam redes mundiais como o meio para uma mensagem anarquista, o grande assunto é a destruição sem escombros e a violência sem morte. O terrorismo cultural.
"É mesmo? É uma surpresa. Eu não idolatro a tecnologia. Me inquieta muito o cyberfascismo, as pessoas que erotizam os computadores", disse Virilio à Folha, por telefone, de seu apartamento em Paris.
O fascismo tecnológico a que se refere está no centro das preocupações de um pequeno grupo de artistas, professores e estudantes pertencentes ao "Critical Art Ensemble", uma espécie de partido dissidente da Internet.
Onde todos vêem liberdades e possibilidades, o "Critical Art" enxerga um meio para fazer uma guerrilha contra a mídia, os poderes estabelecidos e, sobretudo, combater o "o excesso de máquinas e o desperdício de dinheiro em sua fabricação".
"Einstein costumava dizer que haveria três bombas a explodir: a primeira, a bomba atômica; a segunda, a bomba da informação e a terceira, a bomba demográfica. Efetivamente, hoje assistimos, principalmente pela Internet -um lugar onde se ensina como fazer uma bomba-, a guerra eletrônica."
Profeta involuntário de uma geração que pretende usar a tecnologia para destruir desvios da própria tecnologia, Virilio tem lançados agora no Brasil dois trabalhos ainda inéditos em português.
"Velocidade e Política", escrito em 1977, e "A Arte do Motor", editado na França há três anos, chegam agora à Bienal Internacional do Livro pela editora Estação Liberdade (estande 113).
Sobrevivente
No início de "Velocidade", uma citação de Jean Mermoz: "Eu não queria ser um sobrevivente".
Mas Virilio, ao contrário dos companheiros da aventura delirante que propagaram -quase de forma publicitária- que se vive em um mundo pós-moderno, permaneceu. Mais atento do que o sociólogo Jean Baudrillard e menos melancólico que o filósofo Jean-François Lyotard.
Seu trabalho agora avisa que o mundo dos computadores, da Internet e das "infovias" não é um paraíso ou uma solução, mas o perigo imediato.
Um pensamento que foi rapidamente adotado por várias "guerrilhas anarquistas" na Internet: "Temos que entender que o terrorismo, como uma estratégia radical no primeiro mundo, é um anacronismo. O controle do espaço virtual é o novo campo para o controle do poder", diz um dos manifestos do "Critical Art".
Ligado a uma pequena editora de Nova York, a Autonomidia, o grupo já lançou dois manuais de ação: "The Eletronic Disturbance" e "Eletronic Civil Disobedience".
Uma ação mais radical foi encartar, em jornais de várias cidades americanas, manifestos semelhantes a folhetos de propaganda, além de entrarem na frequência de rádios para poder propagandear as ações do movimento e, claro, o extremo desperdício dos "objetos tecnológicos".
"A inteligência política está na compreensão da economia, da riqueza do capital que está na natureza da aceleração. Pense hoje que a velocidade sem limite das telecomunicações tem como consequência o grande conglomerado, como o de Robert Murdoch e outros magnatas da comunicação.
É o fenômeno da capitalização, da riqueza e da velocidade na tecnologia da informação. Você sabe que a riqueza gera o poder e este gera velocidade e a transformação na sociedade", diz Virilio.
Em seu último livro lançado na França, "Cybermonde" (Cybermundo), Virilio avisa sobre o fetiche incontrolável pelos computadores que são, ao mesmo tempo, ilusão de liberdade (estar ao mesmo tempo em Paris, Moscou ou no próprio bairro) e exercício de dominação.
Um domínio visto pelo "Critical Art" (e outras centenas de grupos na Internet que se autoqualificam "de esquerda", como os sites dedicados ao pensamento de Karl Marx) na maneira em que os governos, ou as grandes corporações, acumulam informações sobre cidadãos em bancos de dados.
Assim, a ação mais eficaz do terrorismo cultural seria "matar eletronicamente" cada cidadão. Uma bomba silenciosa que poderia deixar milhões de vítimas pelo mundo, ao apagar o que é conhecido por um "corpo eletrônico".
Esse é o momento em que Virilio anuncia seu próximo temor. O de um planeta onde a atração por computadores substitui até mesmo o sexo.
"Há o perigo da perversão. Da diversão que se converte em perversão -como o sexo normal que se transforma na zoofilia-, a diversão tecnofílica. A possibilidade de relação sexual sem contato. A Internet e a tecnologia como um substituto da sexualidade. Cybersexualidade."
Esse deve ser o tema de seu próximo livro. Virilio explica que a cybersexualidade é agora a maior preocupação, o novo campo de batalha para alertar contra um lema do futurismo italiano, que exaltava as máquinas nos anos 20: "amanhã comeremos a técnica".

"Critical Art Ensemble": http://mailer.fsu.edu: 80/sbarnes

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