São Paulo, terça-feira, 20 de agosto de 1996 |
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Agrippino Grieco atacou burros e pavões
ARNALDO JABOR
Mas, para mim, Agrippino sempre flutuou num ar de magia, graças a meu avô, funcionário público que não pôde estudar, porém ouvia com devoção os "inteligentes" da época, na porta das confeitarias: Emilio de Menezes, Olegário Mariano, Humberto de Campos. Meu avô chegou a levantar Lima Barreto, caído de porre no meio-fio e tinha uma paixão suprema: Agrippino Grieco. "Leu tudo!", dizia meu avô, deslumbrado. Assim como Lima Barreto "pautou" o modernismo, Agrippino foi um pré-Oswald de Andrade. Grieco trouxe a espinafração contra a literatice lambida dos doutores encartolados. Era um humanista cultíssimo, com um brilho que poucos tiveram antes. Uma vez, passei no bonde e vi meu avô numa esquina, morrendo de rir agarrado num poste, enquanto Agrippino, de terno branco, dizia-lhe piadas ao ouvido. Eu tinha uns 15 anos e acho que ali entendi a inteligência como corrosão. Acho que ali comecei a amar Eça de Queirós, Nelson Rodrigues, Oswald antes de tê-los lido.... Pois meu tio Donatello descobriu uma caixa de sapatos cheia de papeizinhos de frases do pai, guardadas para futuras vítimas, e reuniu-as no livro "Gralhas e Pavões". Li-os hoje e selecionei alguns desses lembretes geniais, onde o pré-moderno Grieco cai de porrete em cima das graves bestas quadradas. Cato os memorandos e jogo-os sobre vocês, como uma chuva de papel picado. * "A burrice é contagiosa; o talento não." "O capitalista saindo da igreja onde acabara de comungar e descompondo logo o chofer." "O padre esmurrava o púlpito e o sobrinho." "Em vez de cosméticos, devia aplicar adubos ao crânio." "Fulano nunca estava nos seus melhores dias." "Lin Yutang era o restaurante chinês da filosofia." "Mil vezes ele deve ter pensado: 'Que seria do Brasil sem Gilberto Amado?'" "Menotti del Pichia, parnasiano, querendo passar por modernista, lembra atrizes de 70 anos a fazerem de ingênuas." "'Irá longe!' -foi para Montes Claros." "Ele era mais preocupado com o estilo dos móveis que com o estilo de Flaubert." "Jamais tentou chegar à síntese." "Nos seus textos, há mais pintura e música que idéias." "Cultivava paradoxos e rabanetes." "Retirava adjetivos, para obrigar o estilo a fazer regime para emagrecer." "O 'etc.' é uma comodidade..." "Ele era um 'groom' sem bandeja." "Servem num restaurante da rua São José um 'bacalhau à Olegario Mariano'. É a imortalidade..." "Olegario fumava as pontas dos cigarros de Bilac." "Ele não dizia 'pobreza'; dizia 'pauperismo'." "Na praia das Virtudes, a água é muito suja." "Insultavam-se mutuamente, e os dois tinham razão." "O cisne do "Lohengrin" virou pato." "Raro exemplo de perseverança: ir até ao fim de um artigo de Anibal Freire." "Não lhe mostrem nenhum manuscrito inédito." "Ele era forte em produtos similares." "Ego com elefantíase." "Prelecionavas sobre o livro e ainda te vejo semear na sala a epidemia do bocejo." "A obra é ilustrada; o autor não." "Seu livro devia ser encadernado em pele de jumento: coerência com o conteúdo." "Dele, só lerei as obras póstumas." "Morta a França, o mundo ficará de quatro." "A principal personagem daquele romance era mesmo o tédio." "Ai do romance em que o enredo interessa mais que o estilo." "Ele não é romancista; é uma instituição de utilidade pública." "A seca é terrível; mas pior é certa literatura provocada pela seca." "Glória no Brasil é a melhor maneira de ser ignorado pelo resto do mundo." "Ele figurou sempre no 'etc.'..." "Defendia a Polônia nos botequins e esbordoava a mulher em casa." "Seu estilo tinha a elegância das burguesas endomingadas." "Sempre indeciso entre o preciosismo e a vulgaridade." "Há nele um canário e um gato. O gato sempre querendo comer o canário." "Ele inventou que era inventor." "No dia em que tiver uma frase de espírito, despedem-no." "Suas estréias eram espetáculos de despedida." "Aplaudem porque acabou." "Ele não tem ouvidos; tem orelhas." "Quanta gente influiu na originalidade de F.!" "Dava a impressão de tornar inteligente todos que se avizinhavam dele." "Ele quer ser cicerone do abismo." "Um fauno carecendo de afrodisíacos." "Passou a vida correndo atrás de uma idéia, mas não conseguiu alcançá-la." "Cidade Maravilhosa; quando o adjetivo chegou, o substantivo já estava meio estragado." "O Rio de Janeiro é hoje um manicômio sem paredes." "Ele é mais mentiroso que elogio de epitáfio." * Muitos anos depois, fui ao enterro de Agrippino. Quando o caixão baixou, um sujeito feíssimo pulou em cima do túmulo e discursou: "Senhores! Ali não jaz um cadáver; dorme um gênio!" Saí às gargalhadas, para trás de uma sepultura. Agrippino, com certeza, riu lá embaixo também. Que falta ele faz. Texto Anterior: Rádio Uirapuru de Itapipoca Próximo Texto: 25 mil ingressos já foram vendidos Índice |
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