São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 1996
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Perfil de Pavarotti tem meias verdades

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Não seria propriamente incorreto pintar Luciano Pavarotti, 60, como um bonachão generoso. O tenor italiano é uma das pessoas mais bem-humoradas e cativantes que já pisaram na cena lírica. Ele promove sem lucro um concurso mundial de jovens cantores e sua agenda inclui récitas beneficentes.
São aspectos minuciosamente explorados em "Pavarotti, Meu Mundo", espécie de autobiografia com a coloração de um conto de fadas, feita a partir de depoimentos ao jornalista norte-americano William Wright.
Mas o livro incorre na velha fórmula do revelar em excesso o que é anedótico ou dignificante, para melhor esconder o que possa parecer controvertido ou essencial.
Pavarotti é uma das mais rentáveis marcas no mercado artístico. É "business" destilado com muita competência, conforme recente levantamento do jornal econômico inglês "Financial Times". Uma apresentação de "Os Três Tenores" -ele, José Carreras e Placido Domingo- renderia hoje, a Pavarotti, cerca de US$ 2,5 milhões.
O artífice da transformação dos bemóis em cifrões se chama Tibor Rudas, empresário húngaro que, em 1981, convenceu o tenor a se apresentar numa enorme tenda montada ao lado de um cassino, em Atlantic City (EUA). O cachê de US$ 100 mil foi na época o mais alto já pago a um cantor de ópera por uma única apresentação.
Até então, sua agenda era programada por Herbert Breslin, com quem trabalha desde 1968. Foi quando, apresentou-se pela primeira vez no Metropolitan Opera House, de Nova York.
Pavarotti, em seu livro, apresenta Tibos Rudas como um "visionário". Omite, porém, que foi Tibos quem o cercou de guarda-costas armados de cacetetes, instruídos para provocarem incidentes que lhe dessem, na época, uma impressão de assédio própria a Madonna ou Michael Jackson.
Funcionou. De um dos bons tenores que hoje interpreta 25 papéis e já gravou 37 óperas do repertório, ele passou a ser considerado pela classe média -que raciocina na base de mitos- como o único "grande cantor deste século".
Nessa passagem, é bem verdade que Pavarotti deixou de ser um grande Manrico, de "Il Trovatore" (Verdi), para enveredar pelos musicais da Broadway e para gastar seus trinados com cançonetas como "O Sole Mio". Quanta distância do promissor tenor que, em 1962, atuou num "Rigoletto", em Palermo, sob a direção do veterano Tulio Serafin, o grande mestre e protetor de Maria Callas.
O livro também se esforça na apresentação de Pavarotti como um bom marido para Adua -também empresária de cantores líricos. Mas, por puro azar, tão logo publicada a edição original, os dois se divorciaram e o tenor anunciou seu casamento com a secretária, Nicoletta, aliás também protagonista da autobiografia.
Digamos que o detalhe é secundário e seria mesquinho pescá-lo, não fosse a ênfase meio agiográfica que o ghost-writer Bill Wright dá a seu biografado, num texto bem construído que, apesar dos pesares, não deixa de valer a pena.

Livro: Pavarotti, Meu Mundo
Autor: William Wright
Páginas: 304

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