São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 1996
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Déficit comercial e déficit fiscal

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Nos últimos dois ou três meses, a política econômica brasileira tem sido alvo de constantes críticas no exterior.
Economistas de prestígio, agências de classificação de riscos e organismos multilaterais de financiamento insistem em alertar para a fragilidade do quadro fiscal e a excessiva valorização cambial.
Um observador atento há de notar que essas advertências pouco ou nada acrescentam ao que vem sendo dito por críticos brasileiros nos últimos dois anos.
Ah, mas quando a crítica é feita em inglês, adquire não sei que ares de seriedade e novidade. O brasileiro descobre revelações extraordinárias no discurso mais fuleiro de um norte-americano ou europeu.
Qualquer trivialidade em inglês soa como uma verdade profunda. Os mercados balançam. A imprensa se agita. As autoridades governamentais tremem da cabeça aos sapatos. São as agruras da dependência financeira e mental.
Mas, enfim, o que interessa é o seguinte: por que motivos um programa econômico inicialmente tão bem recebido, no Brasil e no exterior, é agora objeto de tantas restrições?
As razões mais imediatas de preocupação localizam-se, como se sabe, nos déficits das contas públicas e da balança comercial. Qual era a expectativa no início do ano ou no final do ano passado?
Esperava-se que a reativação da demanda interna, induzida pela flexibilização das restrições ao crédito e pela queda gradual das taxas internas de juros, contribuísse para reduzir o déficit fiscal primário.
A queda do déficit primário, aliada ao efeito positivo da queda dos juros, traria significativa diminuição das necessidades de financiamento do setor público.
Por enquanto, não é o que vem ocorrendo. A execução de caixa do Tesouro Nacional até julho, medida em preços constantes, revela crescimento de quase sete vezes no déficit em comparação com o mesmo período de 95.
Dados preliminares do Banco Central também mostram aumento do déficit consolidado do setor público (incluindo não só o governo federal, como Estados, municípios e empresas estatais).
No conceito operacional, as necessidades de financiamento teriam alcançado 3,5% do PIB no primeiro semestre de 96, contra 2,3% no mesmo período em 95.
Parte da culpa por esses resultados cabe, sem dúvida, à fraqueza da atividade econômica, cuja recuperação tem ficado bastante aquém das expectativas alimentadas pelo governo.
É de se notar, porém, que a recuperação, apesar de anêmica, já foi suficiente para produzir significativa deterioração da balança comercial, confirmando a percepção de que a taxa de câmbio está fora do lugar.
Os dados do comércio exterior em julho, divulgados na terça-feira, tornaram ainda mais nítido o quadro que vinha se desenhando nos últimos meses: crescimento modesto das exportações com substancial aumento das importações.
A tendência de desequilíbrio aparece ainda mais claramente quando se considera a sazonalidade dos fluxos comerciais.
A essa altura, parece plausível admitir que a balança comercial possa apresentar déficit da ordem de US$ 2 bilhões a US$ 3 bilhões em 96.
Como o déficit em conta corrente (exclusive comércio) deve ficar em torno de US$ 15 bilhões, em função dos juros da dívida externa e de outras despesas, pode-se prever que o déficit total em conta corrente alcance cerca de US$ 17 bilhões ou US$ 18 bilhões em 96.
Além disso, há o fato, pouco comentado, de que temos concentração de vencimentos da dívida externa em 96 e, sobretudo, em 97.
Neste ano, as amortizações de médio e longo prazos serão da ordem de US$ 13 bilhões. Em 97, chegam a US$ 18 bilhões.
A isso se acrescenta a necessidade de refinanciar continuamente os passivos externos de curto prazo, que devem andar por volta de US$ 50 bilhões.
Acossado por críticas, o governo brasileiro tenta simular tranquilidade. Mas a desorientação é evidente.
Um diretor do BC chegou a afirmar que é "sopa" ajustar a balança comercial e que os investidores estrangeiros têm de aceitar como "natural" o déficit nas contas públicas brasileiras.
A julgar pelo que dizem os gringos, esse discurso convence cada vez menos.

E-mail pnbjr@ibm.net

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