São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 1996
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Como salvar o setor de autopeças

LUÍS NASSIF

Está na hora de parar para pensar seriamente sobre o que está ocorrendo com a indústria nacional de autopeças.
É inconcebível que um setor que responde por um PIB de US$ 16,5 bilhões e por 210 mil empregos diretos (já abrigou 350 mil) caminhe para o cadafalso sem que autoridades, empresários e trabalhadores esbocem a menor capacidade de pensar criativamente em uma saída.
O setor enfrenta as vicissitudes de um acordo automotivo que reduziu os limites de nacionalização dos veículos e baixou as alíquotas de importação de autopeças para 2%. Como a produção interna paga cerca de 5% de PIS e Cofins e os importados não, a tributação em si já é gravosa.
Some-se o câmbio apreciado, a falta de crédito e o excesso de juros, e tem-se o mapa do inferno quase completo.
Ocorre que a opinião pública corretamente não aceita mais a volta a velhas práticas protecionistas. E há vícios do setor que ainda não foram sanados.
Ele é constituído de empresas pequenas, médias e algumas grandes, de capital familiar, terrivelmente refratárias a mudanças, fusões ou profissionalização de gestão.
Portanto, a volta do protecionismo simplesmente daria sobrevida ao velho modelo anacrônico em voga.
Carro global
Fosse setor menos relevante, nada a objetar para essa passividade com que todos reagem à crise. Mas há empregos, tributos, balança comercial (neste ano, pela primeira vez na década, as importações irão superar as exportações) e um dado estratégico fundamental.
Com o carro global, a indústria automobilística está definindo grandes produtores mundiais de autopeças. Para esses parceiros, transferirá tecnologia e encomendas.
Com esses trunfos nas mãos, essas empresas terão a faca e o queijo para comandar o novo processo. E o Brasil jamais poderá se habilitar a essa fatia se não houver meios de induzir as montadoras e autopeças a terem produção e pesquisa local.
O caminho passa pela montagem de um programa que atue em todas as pontas.
Primeiro, definindo qual o papel estratégico do setor de autopeças nacional no novo modelo. Depois, induzindo o setor a um processo de reestruturação não paternalista. Finalmente, provendo o setor dos recursos necessários para financiar essa mudança.
Modelo espanhol
Todas essas preocupações estão contempladas na reestruturação do setor na Espanha -conforme trabalho levantado tempos atrás pelo presidente do Sindipeças, Paulo Buttori, que não encontrou eco nem junto à ex-ministra Dorothea Werneck nem junto ao seu próprio setor.
São sugestões preciosas para um plano de reestruturação que poderia ser coordenado pelo próprio BNDES, que conta entre seus quadros com um dos poucos especialistas públicos na matéria -José Armando Taddei, da diretoria de planejamento, que assessorou Antonio Maciel na montagem das câmaras setoriais.
Depois do vendaval inicial, que quase liquidou o setor, a Espanha definiu o seguinte programa vitorioso:
1) O setor mostrou intenção de mudanças, promovendo ampla fusão de empresas. Só no setor de estamparia, juntaram-se dez empresas numa megaempresa, profissionalizada e de capital aberto.
2) Para garantir os investimentos necessários, criou-se enorme fundo de pensão para os funcionários do setor, com o objetivo de inverter os recursos no programa de reestruturação.
3) Com os recursos do fundo, foi montada uma central incumbida da prospecção e nacionalização das novas tecnologias existentes no mundo.
4) O quarto braço do modelo foi a criação de uma enorme trading, incumbida de comercializar os produtos no mundo.
5) O dinheiro arrecadado permitiu ainda a constituição de um banco comercial, para financiar o capital de giro do setor.
O momento é propício para a rápida implantação no Brasil. Crise e desalento tornaram os empresários do setor muito menos resistentes a propostas modernizadoras. A reconstituição do modelo das câmaras setoriais, em cima de uma proposta concreta de ajuste, aceleraria ainda mais o processo.

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