São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 1996
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13 artistas enfrentam a utopia

Mostra começa hoje na Casa das Rosas

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Trinta atores vão circular hoje à noite por três andares da Casa das Rosas, em São Paulo, na abertura da exposição "Utopia". Interpretarão moléculas numa performance do artista plástico Tunga. Só se sabe que farão dois movimentos: ora se desgarram, ora formam um só corpo. O resto é segredo.
"A idéia é mostrar que a arte está em tudo quanto é canto o tempo todo", complica Tunga.
Se você está achando isso muito anos 60 ou 70, acertou no espírito. "Utopia" é radiante porque foi feita como se não existisse mercado nem artistas precisassem pagar as contas ao final do mês. Tem uma generosidade que parecia ter se perdido nos cínicos anos 80.
São 13 artistas. A mostra mistura gente do porte de Tunga, José Resende, Carmela Gross, Baravelli, Iole de Freitas com estreantes (Duncan Lindsay), incógnitas (o arquiteto e desenhista Gabriel Borba) e injustiçados (Tomoshigue).
Entre artistas
O responsável pela liga é o artista plástico José Roberto Aguilar, o diretor da Casa das Rosas.
Ao invés de cruzar os braços, como fazem diretores de museus com pouco dinheiro, Aguilar chamou os 13 artistas, contou que pretendia fazer uma exposição em que cada um deles teria uma sala para criar sua utopia, mas não tinha mais do que R$ 30 mil. Queria ainda colocar as obras na Internet.
Todos toparam. Todos os trabalhos -mais um poema de Augusto de Campos- estão na Internet (http://www.dialdata.com.br/casadasrosas).
Não espere apego ao tema utopia -é o que menos importa. Tunga, o autor da performance de hoje, simplesmente o contrariou -não há utopia no seu trabalho.
A razão é simples: utopia, nome do país imaginário forjado pelo escritor inglês Thomas Morus (1480 -1535), significa lugar nenhum, refere-se a uma questão espacial.
"Noção de espaço é algo que critico profundamente no meu trabalho. Ela é substituída pela noção de imersão", diz Tunga.
José Resende também discute a linguagem da arte. Cobriu sua sala de lençóis brancos, que balançam com o ar de ventiladores. Ao centro, uma lâmpada balança sobre duas resistências elétricas.
"Utopia seria pensar a construção de uma linguagem própria, brasileira, mas nossa idéia de felicidade é cheia de fantasmas", afirma Resende. Ele se baseou no livro "Menina Morta", de Cornélio Penna (1896-1958), para fazer uma instalação quase caipira.
Quando os fantasmas somem, segundo ele, surge a linguagem própria. "Samba de uma Nota Só", com João Gilberto, seria o melhor exemplo dessa utopia, diz.
Recurso à palavra
Baravelli preferiu brincar. Utopia, segundo ele, é sua própria vida. "Não tenho patrão, não sou explorado, acordo a hora que quero, trabalho quando quero", enumera. Por isso, enviou um diário com textos, fotos e desenhos.
Lenora de Barros joga com a idéia de criar um espaço para o não-lugar. Confronta duas frases: "There is no place like utopy/there is no utopy like a place" (Não há lugar como utopia/Não há utopia como um lugar).
O recurso à palavra não é ocasional, segundo Carmela Gross. "A utopia não tem uma imagem numa época em que tudo é imagem. É por isso que você tem de trabalhar com palavras", diz.
Gross recorreu ao poema "Espinosa", de Machado de Assis. Fez quatro verbos em neon (pode, pensas, achas, gosto), que flutuam sobre palavras recortadas em seda.
Sua utopia é quase alquímica: quer tirar concretude de onde ela existe e colocá-la onde não há.
Acaso ou não, a utopia mais regressiva foi criada por uma mulher. Marcia Grostein fez no jardim da Casa das Rosas um ninho com cavacos de aço. "É um útero, mas corta", avisa Grostein. "É o mundo que estamos vivendo".

Exposição: Utopia
Quando: hoje às 20h; terça a domingo, das 12h às 20h; até 30 de outubro
Onde: Casa das Rosas (av. Paulista, 37, tel. 011-251-5271)
Quanto: grátis

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