São Paulo, sexta-feira, 23 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Feira tem 'heterônimos vivos' de Coelho

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Paulo Coelho escreve best sellers, faz chover e, agora, também se multiplica. A prova: duas publicações que estão à venda no Expo Center Norte, onde se realiza a 14ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo.
A primeira, "Shiva Jesus - Peregrinando com o Vento em Busca do Ser", leva a assinatura do jornalista Nelson Liano Jr., amigo de Coelho.
A dupla lançou, há 11 anos, o "Manual Prático de Vampirismo" por uma pequena editora do Rio, a Eco. Pouco depois, Coelho renegou o livro, abandonou o "caminho das trevas", conheceu Santiago de Compostela (cidade mística da Espanha) e enveredou de vez pelas "trilhas da luz".
Liano, 35, tem trajetória semelhante. Mergulhou fundo no universo dos vampiros e das bruxas para, em seguida, visitar lugares sagrados (Jerusalém, principalmente), manter contatos mediúnicos com John Lennon e descobrir Deus.
"Shiva Jesus", da editora Gente, explica como -e por que- o autor viveu a transformação. Faz lembrar "O Diário de um Mago", grande sucesso de Paulo Coelho, e outros tantos volumes que se enquadram no gênero esoterismo/auto-ajuda.
Chega às livrarias com tiragem de 2,5 mil exemplares. A cifra é alta para um escritor pouco conhecido, mas quase nada perto das 100 mil cópias que compõem a primeira edição de "O Monte Cinco", recém-lançado por Coelho.
"Houve um tempo em que só me interessava pelo lado obscuro da vida, a relação da humanidade com o mal. Bebia exageradamente, cheirava cocaína e tomava barbitúricos", relata Liano. "Mas, em 90, começou minha guinada -muito por influência do Paulo."
Hoje, o jornalista é adepto do Daime e "consumidor eventual de santa maria" (maconha). "Vários trechos de 'Shiva Jesus' escrevi sob efeito da cannabis e do chá de ayahuasca", confessa.
Paródia
O outro livro da Bienal que comprova o dom multiplicador do mago literato é "O Aldrabista" (editora Nórdica), de um certo Carlos Araújo.
Aqui, porém, Paulo Coelho se defronta com um alter ego perverso. Carlos Araújo nem sequer existe. É o pseudônimo de um advogado carioca que se nega a revelar o verdadeiro nome.
Cheio de mistérios, afirma que só dá entrevistas por telefone -assim mesmo, sob a condição de ele ligar para o repórter, e não o contrário.
O autor-fantasma se define como um "bruxo discreto". Colabora na luta contra as secas do Ceará ("para mim, é relativamente fácil fazer chover"), pratica meditação transcendental e levitação.
Garante que escreveu "O Aldrabista" sem nenhum esforço físico. Moveu as teclas do computador apenas com a força do pensamento.
Já o advogado irreverente que encarna o autor-fantasma vende o perfil de "workaholic". Diz que tem "muitos outras publicações" no mercado, fala 14 idiomas, é pai-de-santo (filho de Oxalá) e ex-cantor de ópera.
Jura, ainda, que negociou os direitos de "O Aldrabista" com editores da França e Estados Unidos.
Logo às primeiras páginas, Carlos Araújo adverte: "Este é um livro esotérico, carismático e simbolista, mas acima de tudo e principalmente, uma narrativa picaresca em estilo paródico".
Avisa também que os fatos narrados nascem de uma "desvairada imaginação fantasiosa".
E quais os fatos? Acompanhe: Vavá, malandro de Copacabana, com trânsito livre entre figurões da política nacional, ganha uma passagem aérea para a Europa.
Na viagem, conhece o britânico John Rabbit (preste atenção: "rabbit", em inglês, significa "coelho"). O sujeito conta que decidiu peregrinar por Santiago de Compostela e convida Vavá para acompanhá-lo.
Enquanto percorrem a trilha santa, Rabbit revela que está escrevendo um livro com "pensamentos universais". Vavá se interessa pelo tema e o britânico acaba por lhe ensinar algumas das verdades que colocará no volume.
Quando retorna ao Rio, o malandro se transforma em um "guru carnavalizado", que se auto-intitula "o aldrabista".
A palavra -neologismo que guarda semelhanças sonoras com "alquimista"- deriva de "aldrabão" -sinônimo de trapaceiro e mentiroso.

Texto Anterior: Filme constrói inferno pessoal de marujo
Próximo Texto: Público da Bienal deve passar de 1,5 mi
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.