São Paulo, sábado, 24 de agosto de 1996
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"Decodex" fantasia seres

ANA FRANCISCA PONZIO

Quando Philippe Decouflé e seu grupo surgiram, em 1986, a nova dança francesa parecia ter forjado um novo Alwin Nikolais.
Como o inovador mestre norte-americano que, com suas danças abstratas, fazia do palco um espaço mágico preenchido por formas, sons e cores, Decouflé também revelou habilidade em criar imagens cênicas fantásticas.
Em "Decodex", nova criação de Decouflé que integra a programação do 6º Festival Internacional de Artes Cênicas, as comparações com Nikolais continuam inevitáveis.
Inspirado em uma enciclopédia sobre seres imaginários, o "Codex Serafiniano", de Luigi Serafini, "Decodex" é um desfile de personagens bizarros, que habitam um mundo onírico.
Como Nikolais, Decouflé "deforma" os corpos dos bailarinos, através de roupas e iluminação, rompendo com as referência convencionais. Repentinamente, as pernas ganham o plano superior, gerando seres cujas partes do corpo mudam de lugar como um jogo de peças aleatórias.
Mas, ao contrário do coreógrafo norte-americano, cujos requintes técnicos concediam ares futuristas às produções (dentro dos padrões dos anos 60 e 70), Decouflé deixa visível o caráter artesanal do espetáculo.
Apesar dos sofisticados recursos que utiliza, suas imagens revelam a carpintaria teatral que as envolve, numa alusão proposital ao mundo do circo, pelo qual Decouflé é apaixonado, ou ainda aos artistas ambulantes.
Com isso, algumas cenas ganham certa poesia da arte popular. Como reminiscências da infância, "Decodex" mostra, por exemplo, um malabarista que cria ilusões óticas com argolas.
Ou, ainda, uma bailarina que se balança como vegetação ao vento, ao se locomover sobre um maquinário feito de rodas de bicicleta.
Num mundo de sonhos, tudo é possível, parece afirmar Decouflé através de "Decodex". Contudo, o espetáculo transcorre como uma série de demonstrações que, aos poucos, conduzem à monotonia.
Tecnicamente, tudo é muito bem feito. Só que detalhes como artimanhas cênicas e figurinos inventivos tornam-se ineficientes num contexto que prima pela execução, sem se aprofundar na interpretação.
Para quem viu espetáculos anteriores de Decouflé, como "Triton", apresentado no Brasil em 1992, "Decodex" decepciona. Um tributo ao circo, o delicioso "Triton" abordava o tema com despojamento e frescor.
Possuía uma dinâmica e uma fluência que não existem em "Decodex", cujas invencionices funcionam como armadilhas para Decouflé, aparentemente enredado no estilo que o consagrou.
Aos recursos que vem somando à dança, elemento orgânico essencial de seus espetáculos, Decouflé parece estar esbarrando na quantidade (em detrimento da densidade) e na assepsia comum às peças de publicidade, um meio que o requisita cada vez mais e que, pelo jeito, está esvaziando a verve emotiva do coreógrafo.
Espetáculo: Decodex, de Philippe Decouflé Quando: hoje, às 21 horas Onde: Teatro Municipal de São Paulo (pça. Ramos de Azevedo, s/nº; tel. 222-8698) Ingressos: de R$ 10 a R$ 40

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