São Paulo, domingo, 25 de agosto de 1996
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Presidente da Gaviões fala em 'tragédia'

MAURO TAGLIAFERRI
DA REPORTAGEM LOCAL

Há um ano proibido de vestir, nos estádios de futebol paulistas, a camisa da agremiação que preside, a Gaviões da Fiel, Paulo Eduardo Romano, o Jamelão, 25, afirmou à Folha que pode "lavar as mãos" e deixar de orientar a maior torcida organizada corintiana a evitar a violência.
A atitude pode se concretizar se a proibição for mantida pela Federação Paulista de Futebol. Na entrevista que concedeu, Jamelão disse que, sem a sua orientação aos torcedores, "pode acontecer tragédia".

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Folha - Você esteve numa reunião com a diretoria do Corinthians na segunda-feira, e o presidente do clube saiu do encontro defendendo a volta das uniformizadas aos estádios. Que espécie de poder a Gaviões representa junto aos dirigentes corintianos?
Jamelão - Nós fomos ao Corinthians pedir que eles apoiassem a volta das torcidas uniformizadas do Corinthians aos estádios. Em seguida, cobramos mais desempenho da vice-presidência de futebol e cobramos jogadores.
A Gaviões tem força porque representa a torcida do Corinthians, mas é no diálogo, porque roupa suja a gente lava em casa.
O Corinthians vive da sua torcida, e os jogadores sentiram a ausência dela. Isso atrapalhou o desempenho do time, que está acostumado com a massa do lado dele. No caso do Palmeiras e do São Paulo, que não estão acostumados com a torcida, não tem diferença. Já para o Corinthians, pesa.
Folha - Mas todo torcedor do Corinthians é da Gaviões?
Jamelão - Não são todos. Nós temos 58 mil associados, que é a grande maioria durante um clássico, um jogo. De quem estiver num clássico, a maioria, 70%, é gavião.
Isso porque a Gaviões acompanha o time. E os corintianos cobram da Gaviões que a gente cobre o Corinthians. Eles ligam e dizem: "Pô, Jamelão, você não vai fazer nada? O time está uma porcaria".
Folha - A Gaviões é um poder paralelo à presidência do clube?
Jamelão - Poder, força dentro do Corinthians, a Gaviões tem, pela sua representatividade e atuação nos jogos. Mas não temos o direito de bater na mesa e querer impor alguma coisa à diretoria.
Folha - Por que a torcida não-uniformizada do Corinthians não vai aos estádios?
Jamelão - Primeiro, falaram que o problema era a violência. Acabou a violência, mas o público não voltou.
O pai de família não vai ao Pacaembu, onde ele não pode levar o filho dele para urinar, não vai tomar uma água que sai com cor de ferrugem. O torcedor uniformizado está sujeito a isso porque é moleque, jovem, está ali numa aventura, de ver o Corinthians, a paixão dele. Então, é diferente.
Folha - Ir a um estádio de futebol atualmente é uma aventura?
Jamelão - Do jeito que é o estádio, é uma aventura. Você vai a um banheiro, aquela imundície, tem que desviar das poças d'água e do mijo para urinar num vaso.
Folha - Você diz que os estádios estão mal cuidados. Mas houve um jogo entre Corinthians e Grêmio no ano passado em que a Gaviões foi acusada de depredar 200 cadeiras do Pacaembu, num prejuízo de R$ 50 mil. O que você acha disso?
Jamelão - A cadeira se torna inviável numa arquibancada porque o elemento não tem espaço suficiente para botar o pé reto. No decorrer da partida, ele fica pulando na cadeira, agitando, e ela solta. E, se o Corinthians estiver ruim, tiver um juiz roubando, a reação do cara é jogar no campo.
Estamos fazendo um trabalho junto aos torcedores para que eles não quebrem as cadeiras, por mais que esteja errado elas estarem lá.
Naquele caso, nós ficamos aguardando a solução, se viriam nos cobrar ou não. Se pegar algum elemento da Gaviões quebrando, vamos indiciar e fazer pagar. A Gaviões vai se propor a entregar o elemento para a polícia.
Infelizmente, a gente tem esses maus elementos dentro da torcida... Não é mau elemento, é uma reação de momento.
Não é que os gaviões sejam santos, a gente já errou, já brigou, mas assumiu nossos erros. A violência só acabou por causa das presidências das torcidas, que deram um basta. Não foi por causa da proibição. Se a gente quiser lavar as mãos, a violência vai voltar amanhã ao futebol.
Eu me responsabilizo pelos gaviões dentro do estádio e nas imediações dele. A boa torcida uniformizada, entrando numa regra, é viável para o futebol.
Eu não ganho nada para estar aqui. Estou com a minha cabeça inchada, sem ganhar nada. E, se eu lavar minhas mãos, é mais dor de cabeça para eles, porque os moleques não vão ter um controle. E aqui, pelo menos, a gente educa os moleques, a ter uma ideologia, a ideologia da Gaviões.
Folha - Qual ideologia?
Jamelão - Acompanhar o Corinthians. Para ficar sócio aqui, nós exigimos que a pessoa seja corintiana. Se não existisse o Corinthians, a Gaviões não existiria.
Agora, hoje está acontecendo uma repressão nas arquibancadas. A polícia fala que é para averiguação, mas é só na Gaviões. Eles tiram o elemento no meio do jogo, levam para o comando e cadastram. Isso é perseguição. Os guardas chegam lá empurrando e folgando, para ter uma reação da torcida. Só que isso eles não vão ter.
Folha - Mas você sabe que a presença das organizadas nos estádios está proibida...
Jamelão - Mas não entrou ninguém no estádio com camisa de organizada. Só que eu fico onde eu quero, está na Constituição, tenho direito de ir e vir. E, se você conhece um grupo do seu bairro, chega ao estádio e eles estão ali, não vai ficar junto deles? A torcida é a mesma coisa. Vai chegando um, outro, e ficando junto. As pessoas já se conhecem e, quando chegam no jogo, se reúnem.
Folha - E aí começam a cantar hinos de guerra...
Jamelão - Não, de guerra, não. Você ouve incentivo ao time, cobrança, mas os hinos de guerra nós tiramos há dois anos. Só que tem torcida, como a Independente e a Mancha Verde, que até hoje não acabou com esses gritos.
E, também, quando alguém ouve um grito de incentivo ao Corinthians, todo mundo grita. Parece que é só gavião que está lá. Mas, às vezes, a maioria não é só gavião. É que a torcida do Corinthians gosta de nós. Sabe que a Gaviões sempre fez a festa. Na final do Paulista-95, a queima de fogos foi a Gaviões quem fez e pagou...
Folha - Mas, no final daquele jogo, deu confusão...
Jamelão - Nós estávamos comemorando, veio um torcedor do Palmeiras e deu um chute no portão. Aí houve a reação da explosão da massa. Eu e a minha diretoria recolhemos o pessoal, mas não tem como segurar numa explosão, não tem líder que segure...
Folha - Você tem problemas de drogas entre os associados?
Jamelão - Aqui dentro, a gente não permite o uso de qualquer tipo de droga. E, se um elemento estiver drogado num jogo e fizer mau uso da camisa, vamos tirá-la dele e chamar para uma reunião.
Folha - E com as bebidas?
Jamelão - A mesma coisa. Às vezes, quando o cara está alcoolizado, a gente tem até que usar um pouco a ignorância, para ter o controle da pessoa.
Folha - Como, ignorância?
Jamelão - Dar uns puxões de braço, uns puxões de orelha, uns beliscões...
Folha - E isso não acaba incentivando a violência?
Jamelão - Não, porque ele me respeita como presidente da agremiação da qual ele é sócio.
Não adianta eu dizer que a gente vai falar na lousa, direitinho. A gente mexe com a massa, a massa ignorante. A torcida do Corinthians é o público mais afetado na pobreza, não tem estudo.
Folha - A PM mostrou, em 95, que 17,65% das ocorrências em estádios eram de responsabilidade da Gaviões, a mais violenta das uniformizadas. Por quê?
Jamelão - Porque é a maior torcida. Acho essa pesquisa meio furada. Qualquer pesquisa de violência vai dar que a Gaviões é a mais violenta, porque é a maior torcida.
Folha - Quem é mais forte, você ou o presidente do Corinthians?
Jamelão - Com certeza, ele. Eu não sou nada. O presidente do Corinthians, acho que ele é mais que o presidente da República. Ele mexe com uma massa. Se o presidente Dualib fosse que nem eu, por exemplo, eu encarava todo mundo porque eu sou Corinthians.
Acho que o Corinthians está acima de qualquer coisa. A federação tinha que pedir bênção para o Corinthians. A imprensa, o São Paulo, o Palmeiras tinham que pedir bênção ao Corinthians.
Nós, da Gaviões, temos uma força. E a gente está segurando uma barra difícil. A gente errou muito, todas as torcidas erraram. Só que chega. Foi um ano de castigo, de reflexão, vamos sentar agora e negociar o melhor para o futebol.
Antes da Olimpíada, a Atoesp foi à federação e falou com o Farah, e eles falaram que dia 10 de agosto iriam voltar as torcidas organizadas. Eles iriam falar com os clubes, fazer carteira de sócio-torcedor...
A gente está falando sempre com eles, estamos jogando limpo, e não está havendo o mesmo retorno do outro lado. Um joga para o outro.
O Farah não quis me receber. Eu fui lá para saber como estava a situação. E se eu lavar as mãos daqui para a frente?
Folha - O que pode acontecer?
Jamelão - Pode acontecer tragédia. Pode, porque, para muitos, a torcida organizada se tornou lazer, família, paixão. O cara sai de uma favela na sexta-feira e passa o fim-de-semana aqui.
Folha - Se a federação mantiver a proibição e você "lavar as mãos"...
Jamelão - Aí é só o tempo que vai dizer. A gente não vai mais se responsabilizar, o nosso torcedor não vai mais ter uma orientação, vai ficar cada um por si.
Folha - Isso é uma ameaça à Federação?
Jamelão - Não, isso aí é a realidade do negócio. A gente não precisa ameaçar ninguém.
Folha - Quer dizer, o fato de um dia poder retornar ao estádio serve como estímulo para você dizer ao torcedor "se você se comportar, a gente vai voltar aos estádios"...
Jamelão - Exatamente.
Folha - E se a federação disser "não vai voltar mais"...
Jamelão - Eu não vou ter mais interesse em defender nada. Aí, eu vou curtir o meu Corinthians. Vou para o estádio e vou ver o Corinthians jogar. Não vou estar mais preocupado com nada.
Eles deram a palavra que a gente iria voltar no começo do campeonato. Nós passamos isso para os nossos associados. Chegou o dia 10 e cadê as torcidas de volta? Os caras vêm me cobrar aqui: "Pô, Jamelão, você não falou? Os caras estão fazendo você de trouxa". A gente lida com o povão.

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