São Paulo, domingo, 25 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um mestre clássico da métrica

PAULO MARTINS

especial para a Folha O Brasil, apesar de tentativas esparsas na divulgação da literatura clássica antiga por meio de traduções, ainda está muito distante da produção do dito Primeiro Mundo. O desenvolvimento dessa atividade atingiu tal ponto nestes países que hoje já se tem diacronicamente uma tradição da tradução.
A Edusp vem, mesmo que timidamente e sem um projeto mais abrangente, incentivando a divulgação de traduções e ensaios nessa área. Dessa forma, lança nesse semestre um texto inédito em língua portuguesa: a tradução da obra completa de Catulo, que foi objeto da dissertação de mestrado de João Angelo Oliva Neto, professor da USP.
Por si, tal fato já representaria um dado de suma importância para os estudos literários no Brasil, dada a representatividade e importância de Catulo que, segundo Ezra Pound no "ABC da Literatura", seria o único autor a emular com Safo de Lesbos quanto à métrica, além de ser superior a poetisa grega arcaica no que se refere à economia das palavras.
O Livro de Catulo, poeta veronense que viveu em Roma entre 87 e 57 a.C., não é volumoso, contudo plural, abrangendo um espectro genérico que vai da sátira aguda ao hino, perpassando a poesia amorosa, circunstancial e a invectiva com a mesma excelência técnica comentada por Pound. O curioso nessa obra é o sentido de unidade dentro da diversidade, porquanto, apesar de apresentar distintos gêneros, sedimenta-se em torno de um padrão compositivo, que na Roma Antiga diferenciava um grupo de poetas chamado poetas novos (poetae noui ou neóteroi), que divulgava a poética alexandrina, assentada em Clímaco de Cirene.
Tal padrão técnico estava centrado na economia das palavras, na sutileza, na leveza, na rapidez, na escrita e no livro, fato esse que torna-se evidente em Catulo ao observarmos o primeiro poema de seu livro, quando denomina sua obra de lepidus nouus libellus (novo e gracioso livrinho) e seus textos de nugas (versos ligeiros, ninharias).
Talvez a aparente simplicidade da poética de Catulo tenha sido um dos principais fatores para a disseminação de seus poemas entre nós, leitores modernos de poesia antiga. Contudo sempre estivemos sujeitos às traduções esporádicas que não contemplavam a magnitude e riqueza métrica de seus textos e tampouco davam valor a seus saborosos textos fesceninos por conta de um pudor que não deveria e não deve cercear o prazer do texto literário.
Estes dois dados traduzem, redutoramente, o trabalho de Oliva Neto que, num brilhante empreendimento de tradução para um ótimo português, não só propôs soluções técnicas competentes à variedade métrica e à habilidade no uso das palavras, como, dada à natureza do trabalho, não se deixou levar por certo moralismo que encontramos em tradutores que se deparam com os textos mais picantes do poeta de Verona.
Ademais, João Angelo Oliva Neto não se limita às traduções e nos contempla com riquíssimas notas, o que é fundamental para intelecção dos textos, tendo em vista os leitores não habituados à leitura dos clássicos, e com uma bem cuidada e esclarecedora introdução que resgata o que há de mais atual na produção acadêmica.
Digna de ressalva também é a pertinência na escolha das ilustrações do livro. As imagens imediatizam uma associação entre duas linguagens que se completam, tornando mais prazerosa a leitura do livro. Por outro lado, vale dizer que muitas dessas iconografias também são inéditas no mercado editorial brasileiro, tão escasso de publicações desse matiz. Assim, para o leitor de língua portuguesa, essa edição, que já valeria pelo inédito de Catulo, é duas vezes bem-vinda.

Texto Anterior: Roteiro do desassossego em um trágico mundo novo
Próximo Texto: NORMAN MAILER; CHESNAIS; ANÁLISE; POLÍTICA; TEATRO; JÂNIO; LUKÁCS; POMPÉIA; PICASSO; LANÇAMENTO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.