São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 1996
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Documentarista fala do cinema etnográfico

CECÍLIA SAYAD
DA COORDENAÇÃO DE ARTIGOS E EVENTOS

O cinema etnográfico tem uma lenda viva e em franca atividade: Jean Rouch. Aos 79 anos, ele é a maior estrela da 3ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico, que começa hoje em São Paulo.
Na quinta-feira, Rouch participará de um debate sobre "Novas Tendências do Filme Etnográfico" (veja quadro).
Alguns de seus filmes mais conhecidos serão exibidos na mostra, como "La Chasse au Lion à l'Arc" (Caça ao Leão com Arco, de 1965) e "Jaguar" (1955).
Em entrevista à Folha por telefone, de Paris, Rouch disse que a necessidade de documentar antecedeu sua formação em etnologia.
Resistente à ocupação alemã na França durante a 2ª Guerra Mundial, Rouch decidiu ingressar num grupo de pessoas enviadas para trabalhar nas colônias francesas.
Formado em engenharia, tornou-se responsável pela construção de pontes e estradas na Nigéria. Foi lá que presenciou um ritual de possessão que desviou o rumo de sua carreira profissional.
*
Folha - A imagem é um documento mais fiel à realidade do que a escrita?
Rouch - Talvez não mais fiel. A escrita também é necessária. Mas é indispensável que as pessoas que filmamos tenham acesso ao trabalho que fazemos sobre elas.
Folha - O sr. acha que os antropólogos resistem ao uso dos documentários como objeto de estudo?
Rouch - Se eles o fazem, é porque são burros, pois o filme é uma memória viva extraordinária.
Folha - Como é a sua relação com a verdade?
Rouch - É uma relação perigosa. A verdade é uma coisa que não se compartilha. Em pesquisas etnográficas, ela não existe. Nossa ignorância é imensa.
Folha - O poder que a imagem exerce sobre as pessoas pode fazer com que a verdade do cinema se imponha?
Rouch - Eu acho que a imagem é um estimulante para fazer a verdade desabrochar.
Folha - O sr. fez alguns filmes de ficção também, como "Jaguar".
Rouch - Sim. Faço o que chamo de "documento-ficção". Não parto de roteiro escrito, não escrevo diálogos. Aplico o que aprendi fazendo cinema etnográfico: eu mesmo sou o câmera, pego um técnico de som que fale a língua em que o filme está sendo filmado, e coloco as pessoas numa situação em que improvisam e criam os diálogos.
Folha - O sr. acabou de filmar com Manoel de Oliveira.
Rouch - Sim, terminamos as filmagens recentemente. Fizemos um trabalho sobre o Porto (Portugal), que é mais do que um documentário, é uma espécie de delírio a dois. O filme é sobre a arquitetura das pontes.

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