São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 1996
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Reunião discute abuso sexual infantil

GILBERTO DIMENSTEIN
ENVIADO ESPECIAL A ESTOCOLMO

Em meio a incensos, cânticos e rezas, meninas desnudas num púlpito são forçadas a se entregar aos sacedortes; as famílias aceitam, resignadas, o ritual, destino ("karma") de uma casta inferior.
Depois de usadas como oferenda sexual, elas são descartadas. Mais tarde, muitas delas acabam em bordéis. Por não serem virgens, dificilmente conseguiriam se casar.
Apesar de proibida por lei, essa prática clandestina, conhecida como "devadasi", não foi extinta nos templos de vilarejos da Índia e, a partir de amanhã, compõe o elenco de abusos sexuais expostos em Estocolmo, capital da Suécia.
Durante cinco dias, representantes de 130 países, envolvendo mil entidades não-governamentais (ONGs), se reúnem para relatar as várias modalidades de exploração sexual contra crianças e promover uma articulação mundial.
Promovido pelo governo sueco, em parceria com o Unicef (fundo da ONU para a infância), o encontro foi provocado pelo volume de dados indicando o crescimento da prostituição, pornografia e tráfico envolvendo meninas.
Mercado do sexo
Apesar de enfatizar a dificuldade de colher dados precisos, documento oficial preparado por técnicos de várias partes do mundo informa que, anualmente, pelo menos 1 milhão de crianças entra no mercado do sexo.
As denúncias de exploração sexual atingem países pobres como Índia ou Brasil, mas também os países ricos -o Brasil é apresentado como uma das rotas de turismo sexual e tráfico, ambos os fatos devidamente documentados.
"Incrível como os americanos se espantam com os números de exploração sexual na Índia, Brasil e Tailândia, mas também não têm a menor idéia do que ocorre no seu próprio quintal", diz Mirian Lions, norte-americana que trabalha com crianças marginalizadas em Nova York.
Investigações realizadas pela polícia, a serem apresentadas durante encontro, vão mostrar como essa rede de exploração infantil se perpetua em países ricos como Holanda, França, Itália, Reino Unido e Alemanha.
Com a derrocada do regime soviético e a crise nos países comunistas, a polícia e organismos não-governamentais detectaram ondas migratórias de prostitutas, entre elas crianças, na Europa Ocidental, especialmente Alemanha, Bélgica e Holanda.
Mulheres da Europa Oriental reproduzem o mesmo esquema encontrado no interior da Amazônia, onde meninas vivem como escravas nas regiões de mineração.
Elas são atraídas com a promessa de bons empregos, entram ilegalmente no país e passam a depender dos cafetões.
A exploração não se restringe apenas às meninas. Detectou-se que meninos romenos foram traficados da Romênia em direção aos países ricos da Europa, num mercado comandado por máfias que se espalham pela Rússia.
Relatório de uma das mais antigas entidades do mundo de defensa da criança (Save the Children), após inspeção na Romênia, constata que meninos e meninas de rua trocam sexo por lugar onde dormir e por comida.
É um fenômeno que, segundo os documentos do encontro, ocorre crescentemente em Cuba, onde, com o desmoronamento do regime soviético, a crise econômica se agravou.

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