São Paulo, terça-feira, 27 de agosto de 1996
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Patti Smith rompe silêncio de oito anos

ERIC BAHAN
DO "LIBÉRATION", EM LONDRES

"Éramos tão inocentes quanto crianças correndo soltas por um campo minado..."Patti Smith, na introdução a "Early Work 1970-1979" (1994) Porque ainda temos vivas na memória essas imagens de mulher mítica, com os nervos à flor da pele, atiçando a multidão até mergulhá-la num transe, porque Patti Smith reinventou a histeria roqueira nos EUA dos anos 70, porque seu nome é sinônimo de estilo, por tudo isso, nos esquecemos. Esquecemos que o que marcou a geração de Sonic Youth, R.E.M., PJ Harvey ou Courtney Love foi essa combinação de vulnerabilidade e honestidade adolescentes.
É por tudo isso que o tempo pára nessa manhã de claridade irreal em Londres, quando a porta do salão se abre sobre essa silhueta de emigrante esfarrapada.
Impossível determinar o que há de garotinha ou de anciã nessa combinação de constrangimento e vulgaridade inusitada: Patti escova seus cabelos grisalhos e brancos como lã de aço e oferece a escova aos outros, que fazem o mesmo.
"Tentávamos transmitir algo que fosse o mais certo possível, que rompesse com o que o rock tinha virado: velho, rico, institucional. Queríamos lembrar que o rock não pertencia às estrelas, mas à rua; que essa arte corria o risco de desaparecer ao ser industrializada.
"Hoje não tenho mais aquela motivação violenta, aquele fervor quase militante. Meu primeiro disco se dirigia às pessoas sozinhas e com problemas, que não se reconhecessem nas normas sociais. Mas eu não previ o impacto que 'Horses' teria sobre as pessoas."
*
Folha - Fale sobre sua saída de cena e sua volta.
Patti Smith - Não estou retornando porque nunca parti. Durante esses anos nunca deixei de pensar na minha arte. Enquanto lavava a louça e trocava os lençóis dos meus filhos, pensava nisso. O que fiz foi tomar o tempo para me dedicar a coisas positivas, longe do circo promocional. Achava que minhas composições não estavam à altura de minha reputação, então comecei a ler e escrever oito horas por dia. Aprendi a tocar guitarra.
Aprendi humildade, respeito. Não há nada mais difícil que ser mulher e dona-de-casa. Se hoje estou dividida é por atender às necessidades dos meus filhos. Minha turnê vai terminar quando as férias escolares chegarem ao fim.
Folha - "Gone Again" veio depois da morte de seu irmão, de seu marido, de Robert Mapplethorpe e de Richard Sohl. Foi uma catarse?
Patti - A dor está aqui, a gente pode convertê-la, simplesmente. Mas nunca estamos em paz. A gente esquece, mas no instante seguinte a pessoa que morreu retorna de forma quase palpável, concreta, e nos sentimos culpados. Quanto Mapplethorpe morreu fui dominada por uma febre criadora; eu já tinha chorado o suficiente durante os dois anos que ele passou agonizando. "Gone Again" não é o disco de rock que eu planejava fazer com Fred. Depois que ele se foi, as prioridades mudaram.
Folha - Por que dedicar "About a Boy" a Kurt Cobain?
Patti - Seu suicídio me deixou tão triste quanto furiosa. É verdade que a primeira estrofe da canção fala de Kurt, de seu jeito de se considerar "acima de tudo". A segunda fala de meu irmão, a terceira é para Fred. "Gone Again" se dirige aos jovens, dizendo a eles que existe uma maneira de sobreviver aos momentos difíceis.

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