São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
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Vantagens da claridade

JANIO DE FREITAS

O movimento pró-reeleição de Fernando Henrique Cardoso, lançado por discursos conjugados do deputado Newton Cardoso (aquele celebrizado quando governador de Minas) e do próprio Fernando Henrique, em jantar para parlamentares na quinta-feira, precipita uma espécie de abertura oficial da disputa pela Presidência, a ocorrer só daqui a mais de dois anos. Apesar da antecedência sem precedentes, a precipitação pode ser positiva para o país em muitos sentidos. A explicitação da corrida eleitoral foi sempre considerada, e não só pelos ocupantes do poder, um fator de perturbação incontrolável do ato de governar. Uma após outra, as sucessões jamais deixaram de comprovar tal regra, nem sequer quando se tratou de um general doar a outro o seu impróprio título de presidente. Fernando Henrique inverte as habituais tentativas de protelação da disputa, praticadas por quase todos os governantes.
A velha regra em relação ao ato de governar não se altera, porém. Não poderia se alterar. As memórias melhores lembram, e os arquivos socorrem as outras, que já antes da posse a reeleição era referida por Fernando Henrique e por acólitos seus, prevenindo com a maior desinibição, para quem quisesse entender, que aquela era uma idéia mestra da nova presidência. O governo e o trabalho eleitoral começaram no mesmo momento. Com todas as consequências daí decorrentes.
A originalidade da presidência de Fernando Henrique está no incessante esforço de equilibrar os seus três princípios de ação: o abandono de todos os compromissos eleitorais e medidas administrativas que requeiram enfrentamentos árduos, com desgastes perigosos; compensar essas omissões, no conceito dos setores econômicos poderosos, com atos administrativos que os satisfaçam além das expectativas que tivessem; e, sem restrições a qualquer recurso de propaganda e marketing, usar os meios de comunicação para neutralizar, na opinião pública não-oposicionista, os efeitos negativos dos dois princípios de ação anteriores.
Do engatinhar da reforma agrária ao Proer, das viagens aos pretextos todos para ser fotografado e gravado, pode-se pensar em qualquer atitude presidencial e confrontá-la com aqueles princípios da estratégia eleitoral: não há uma só que não se enquadre ali. A dificuldade de dosagem das partes, para o equilíbrio do todo, mostrou-se, porém, maior do que a habilidade disponível. Mas disso a pesquisa (a honesta, claro) diz tudo.
Desde o início, todas as decisões presidenciais foram condicionadas à estratégia da reeleição. A disputa eleitoral, qualquer que fosse a ocasião de seu início, não traria novos efeitos negativos à administração, já deformada. A precipitação do início provoca, no entanto, uma clareza também antecipada. Grande parte dos que compõem a opinião pública terá o direito de perceber, dada a queda da taxa de insinceridade oficial, o que de fato se passa ante seus olhos de cidadãos.
Diminuída a hipocrisia de cima, os que fazem os meios de comunicação perdem muitos dos seus falsos álibis. A exposição forçada de imagens e os textos típicos dos chapas-oficiais estarão servindo, não mais a um presidente em nome do interesse do país, mas a um candidato. Continuarão a fazê-lo, que esta é a sua natureza e é a natureza do seu bolso, mas o leitor, o ouvinte e o espectador os identificarão com mais facilidade.
Só esta maior clareza já faz aplaudir o lançamento explícito do candidato Fernando Henrique Cardoso.

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