São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os desafios de um novo direito

JOAQUIM FALCÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Falar de globalização econômica é hoje quase senso comum. É falar da união dos mercados financeiros, da mudança dos padrões de produção, da crescente importância das multinacionais, do livre fluxo de capitais e serviços, por exemplo. É também relacionar estes temas com questões de administração e política. É falar da crise do Estado, da privatização, da reforma administrativa e previdenciária. Daí por que entender de globalização é tarefa cada vez mais complexa. Zuleta Puceiro menciona inclusive a necessidade de nova ciência política para explicar seu impacto nas relações de poder. Mesmo assim, o livro organizado por José Eduardo Faria vai mais além. Reúne um conjunto de artigos internacionais que buscam avaliar as consequências da globalização econômica e da reforma política no direito. Consequências que provocam mudanças não triviais na teoria e prática jurídicas.
O instigante e cartesianamente estruturado artigo de Dezalay e Trubek, por exemplo, focaliza mudanças na prática dos grandes escritórios, europeus e americanos, firmas de contabilidade e juristas da Comunidade Européia. Leitura obrigatória para nossos pareceristas, grandes escritórios e estudantes de direito do Rio e São Paulo. Constata-se que a produção jurídica não nasce mais do iluminismo conceitual e impositivo dos velhos juristas europeus, mas da prática negocial de escritórios capazes de convergir jovens advogados e velhos juristas em torno de atividades legais-negociais.
Este novo modo de produção do direito traz importantes consequências para o ensino jurídico e a teoria jurídica. Um padrão de normatividade fundamentado na negociação emerge, por exemplo, na teoria do direito público e privado.
Este "revival" da negociação nos ajuda também a responder pergunta, sempre levantada, inclusive nos artigos deste livro: "Como fica a soberania dos Estados nacionais, diante de uma legislação cada vez mais transnacional?". De fato, na globalização o poder normativo desloca-se velozmente de centros de decisão nacionais para centros internacionais: dos países para a Comunidade Européia, Mercosul ou Nafta, por exemplo.
A resposta formal do direito constitucional é: ao acatar normas transnacionais, o país não perde, mas exerce sua soberania. Mesmo que isto signifique, paradoxalmente, menos soberania! Resposta formal porque desconhece o real deslocamento de poder dos centros decisórios. O padrão negocial das normas de adesão com garantia de retração, em que os países aderem livremente guardando a possibilidade de deixar de aderir, parece ser a última arma de defesa dos Estados nacionais. E os conduz à negociação permanente.
O artigo de José Eduardo Faria, sobre "Democracia e Governabilidade", focaliza o Brasil e pergunta: "Como poderá a democracia representativa subsistir sem um aparato estatal efetivamente capaz de corrigir -ou pelo menos atenuar- as profundas desigualdades sociais, setoriais, regionais e étnicas?". A globalização econômica moldada pelo neoliberalismo, queda do protecionismo, Estado mínimo, integração de mercados e fragmentação sociocultural ameaça agravar a situação dos direitos humanos da maioria da população, em vez de melhorar. Questão fundamental, sobretudo quando constatamos que, nos países desenvolvidos, o neoliberalismo tem sido suficiente para implementar uma legislação a favor do livre fluxo de serviços e capitais, mas insuficiente para impedir uma crescente legislação etnocêntrica, a favor do refluxo das migrações. Resta saber se uma globalização forjada na liberdade transnacional do capital exige o confinamento nacional da mão-de-obra. O futuro dirá.

Texto Anterior: A conquista emocional
Próximo Texto: Um incoerente fim do mundo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.