São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
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Espetáculo traz lado xamã do ator

DANIELA ROCHA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um gênio incompreendido em sua época, Antonin Artaud tem uma obra dramatúrgica considerada hoje das mais importantes do século. Para representar o teatro de Artaud no evento que comemora o centenário de seu nascimento, a bailarina e coreógrafa Maura Baiocchi prepara o roteiro de um espetáculo que desvenda a energia de Artaud, seu lado xamanístico.
"Ele próprio era um xamã. Apesar de seu teatro ser conhecido como o teatro da crueldade, quero buscar o que chamo de suspensão em Artaud, que está ligado ao riso dele. É um vácuo, um intervalo raro porque ele foi uma pessoa que sofreu muito", disse a coreógrafa.
Em sua performance "Artaud - Onde Deus Corre com Olhos de uma Mulher Cega", que será apresentada no próximo dia 3, às 20h, no Masp, Baiocchi fará um solo improvisado que une expressão corporal, gesto e voz.
Segundo ela, o espetáculo tentará resgatar e expressar a energia artaudiana. "Muita gente acha que a obra de Artaud é destrutiva, escatológica, de deterioração. Mas não é. Ele lutava para sair desse assunto. É um equívoco tratá-lo apenas sob esse aspecto", disse.
Além da performance, o teatro de Artaud será celebrado com outros dois espetáculos.
Um deles é "Para Acabar com o Julgamento de Deus" (1947), com título provisório de "Para Acabar com o Juízo de Deus" -interpretação do diretor José Celso Martinez Corrêa e o grupo Uzyna Uzona sobre texto radiofônico de Artaud-, que será apresentado no dia 4, às 20h30, no Masp, e retransmitido pela rádio USP.
"Artaud preconizou o teatro do presente e do futuro. Esta peça é uma revolução no meu trabalho. Ela exige um transe matemático", afirmou o diretor.
O outro espetáculo do evento é "A Conquista", com temporada no teatro Sérgio Cardoso, de 3 a 13 de outubro. Concebido pelo diretor e coreógrafo japonês Min Tanaka a partir do texto "A Conquista do México" (1936), a peça tem co-direção de Baiocchi.
Para realizar esse trabalho, a coreógrafa se envolveu em uma pesquisa de imersão em Artaud. Ela leu toda a sua obra e foi aos Estados Unidos e ao México, onde Artaud visitou para pesquisar os rituais dos índios Tarahumaras. "Essa aventura mexicana foi decisiva na vida de Artaud", afirmou.
Como performer, Baiocchi busca entender Artaud de forma não racional. "Para produzir energia no palco e na platéia, eu tenho que buscar o lado invisível. Não adianta fazer análises profundas, tem que sentir."
O encontro de Baiocchi com a obra de Artaud aconteceu por acaso. "Nunca havia feito um espetáculo a partir da obra de Artaud. Mas alguns críticos já relacionaram meu trabalho a ele. Foi uma coincidência", disse.
Baiocchi já apresentou espetáculos de butô -caracterizado por ela como teatro oriental que busca a fonte da energia e seu desdobramento- mas, na performance, não usará a técnica. "O butô foi um rio que passou na minha vida. Agora vivo outra etapa, que combina imagem, som e movimento."
Na performance, Baiocchi interpreta a mulher cega. Como é um trabalho de improvisação, ela estima que terá no máximo 40 minutos. "É uma performance que nasce no dia 3, mas terá vida longa. Meus trabalhos duram anos." Um dos espetáculos de seu repertório, sobre a artista plástica Frida Kahlo, ela interpreta há seis anos.
"Onde Deus Corre com Olhos de uma Mulher Cega" é uma performance considerada obra aberta, construída com o público. "Tem muita coisa imprevisível, que só será resolvida na hora."
Apesar disso, o espetáculo segue um roteiro, um texto poético de autoria da coreógrafa. "Não é um texto sobre a vida e obra de Artaud. São poemas."

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