São Paulo, segunda-feira, 2 de setembro de 1996
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A reação do BC

LUÍS NASSIF

No início dos anos 80, determinado empresário encaminhou a um funcionário da área externa do Banco Central processo para importação de equipamentos.
Embora pudesse ter sido encaminhado pelos canais normais, o processo levava a assinatura de ministros de Estados e do presidente do BC.
"Os ministros e o presidente do BC já aceitaram, só falta formalizar", disse o empresário. O funcionário pegou o processo, abriu, folheou, parou na página com as assinaturas de seus superiores, rasgou-a e comeu-a.
Antes que virasse escândalo público, o empresário julgou por bem negociar o processo com o funcionário, seguindo os caminhos normais. Com o tempo perdeu-se o nome desse herói com estômago de avestruz. Mas episódios como este explicam, até certo ponto, por que o BC se transformou em uma grande caixa preta. Era a maneira de se defender de um jogo espúrio de pressões.
Fechamento
Mesmo havendo eventualmente razões legítimas para esse fechamento, produziu-se um conjunto de vícios relevantes. O próprio fato de desenvolver fiscalização sobre o mercado financeiro criou uma solidariedade corporativa entre fiscal e fiscalizados, agravada pelo fato de muitos diretores externos terem utilizado o cargo como trampolim para carreiras no setor privado.
Além disso, ocorreu confusão entre matéria de sigilo e obrigatoriedade de prestar contas dos atos à sociedade. Em nome do sigilo, o BC sempre se recusou a abrir números e estatísticas, que nada tinham a ver com o sigilo propriamente dito.
Sem essa pressão externa, o BC se acomodou. Perdeu a capacidade de se antecipar a crises e de fazer a autocrítica permanente -único exercício incapaz de impedir a estratificação.
Na cúpula, acomodamento. Nas bases, politização, inclusive com o vazamento de informações sigilosas.
Reação
É contra essa situação que se vê, hoje em dia, amplo movimento interno, visando reconstruir as bases de relacionamento do BC com a sociedade e consolidar seu novo papel institucional.
A primeira preocupação desse movimento é contra os ataques generalizados contra a instituição BC. "Não existe a culpa generalizada do BC", diz seu presidente Gustavo Loyola. "Quando há culpa, ela é de pessoas e de influências políticas, jamais da instituição."
Loyola considera que o BC sofre de um paradoxo. Ao mesmo tempo é extremamente forte -pode liquidar com pessoas e instituições, se seu poder não for bem dosado. Mas politicamente é fraco.
No caso da mudança de regras, permitindo o aumento do endividamento do Banespa no governo Quércia, por exemplo, o BC foi contra. Mas o governo Collor era a favor, porque o candidato Luiz Antônio Fleury Filho era visto como melhor alternativa que o candidato Paulo Maluf.
O pedido acabou aprovado pelo Conselho Monetário Nacional, com o voto sendo encaminhado pelo próprio Ministério da Fazenda -depois de tentativas infrutíferas de que o BC o apresentasse. Deu no que deu, e o desgaste acabou recaindo sobre a instituição.
Funcionalismo
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), considerando o funcionário do BC como funcionário público, deve produzir uma devastação em termos de aposentadorias.
Mas já era aguardada desde a Constituição de 1988, que deliberou dessa maneira. O BC conseguiu empurrar com a barriga enquanto se aguardava a regulamentação. Agora, o STF define a questão.
Do ponto de vista funcional, é uma situação desastrosa, que interessa somente ao chamado baixo clero -o grupo de funcionários não-especializados que vive da politização do banco.
Acaba-se com o plano de cargos e salários e impede-se a especialização.
A decisão do STF vai obrigar o governo a acelerar a reforma administrativa.

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