São Paulo, segunda-feira, 2 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um líder pode ser vendido como hambúrguer?

FERNANDO GABEIRA
COLUNISTA DA FOLHA

Hambúrgueres causaram uma devastação ecológica aumentando áreas de pecuária e destruindo a mata tropical. Podem causar também uma devastação política. Basta acreditar que um candidato pode ser vendido como um hambúrguer.
Tudo o que estamos discutindo parece ser um reflexo das eleições nas cidades. Infelizmente, o buraco é mais embaixo. Há gente pensando sobre a evolução da figura do líder político no século 20. E o que é pior, duvidando se não prefere um hambúrguer.
A mediocridade dos líderes nacionais no fim de século é um lugar comum. Não por falta de qualidades pessoais. Mas sim por falta de perspectiva social, de investimento coletivo num grande projeto de futuro.
Churchill sempre teve talentos antes da 2ª Guerra Mundial. Mas era relativamente modesto. Foi preciso um grande perigo nacional para revelar sua liderança. Logo após a guerra, tentou conduzir a Inglaterra por caminhos que a maioria rejeitava: preservar o Império Britânico, resistir ao Estado de bem-estar social. Foi derrotado.
Esse exemplo é usado por Lester Thurow para mostrar que as épocas contam muito. A que vivemos, segundo ele, é tão dinâmica que torna difícil encontrar pontos fixos, onde se possa alavancar um movimento político.
Estrelas são destruídas com mais rapidez do que são feitas. Thurow observa que existe uma certa constância na busca dos jornalistas. Querem sempre demonstrar que o eleito não tinha assim tantas virtudes quanto proclamou. E arrisca a prever que Thomas Jefferson (com uma possível amante negra) e Benjamin Franklin (com uma possível amante adolescente) teriam poucas chances de sobrevivência política.
Em períodos dinâmicos, conclui Thurow, dominado pelas imprecisões, líderes em potencial não sabem para onde ir, e os seguidores simplesmente não têm razão para seguir.
Se a técnica moderna tem um lado desmitificador de líderes, ele tem outro, a de produtor de falsos líderes. Isso porque no passado, os dirigentes sabiam para onde ia o movimento porque o movimento, de uma certa maneira, foi fundado por eles.
As modernas técnicas de marketing, pesquisas, grupos de discussão, tudo isso permite que os especialistas saibam, exatamente, o que as pessoas querem ouvir. E colocam as frases exatas na boca dos líderes que, na verdade, não são líderes, mas apenas seguidores que foram colocados no meio do bloco em movimento.
Um verdadeiro líder, na opinião de Thurow e outros estudiosos do fenômeno, é capaz de criar um movimento ou de se antepor a um determinado curso com uma nova orientação. Algo arriscado, que pode conduzir a derrotas ou mesmo a "lynchage médiatique", nome que os franceses dão à pressão negativa da imprensa sobre uma pessoa.
A questão fundamental colocada por Thurow, nesse dinâmico momento, é esta: se, de uma certa maneira, é fácil parecer um líder de verdade, sem ser um líder de verdade, por que alguém iria querer ser um líder de verdade?
Mas se o momento é realmente dinâmico não há porque se deixar levar pelo pessimismo. A destruição de milhares de postos de trabalho, o crescimento da violência, a explosão das lutas individuais, tudo isso aponta, conforme demonstra Charles Tyller (ele é apenas um filósofo) para a possibilidade de costurar um novo projeto onde lutas coletivas e direitos individuais se integrem harmonicamente.
O diabo é que os velhos combatentes das lutas coletivas desconfiem tanto do individualismo. Não reconhecem a busca da autenticidade como um valor e se perdem num moralismo inócuo.
Claro, tudo isso só pode mesmo ser discutido depois das eleições. Nossa inteligência é exótica. Só se estimula depois de atropelada por um trator. Só resta esperar, como no poema drummoniano, que nasça uma flor no asfalto.

Texto Anterior: CLIPE
Próximo Texto: Vozes femininas renovam pop nacional
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.