São Paulo, segunda-feira, 2 de setembro de 1996
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Incognito traz seu jazz-funk ao Brasil

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM LONDRES

Ele é o que se costuma chamar de "one man band". Atração do Free Jazz Festival, Bluey comanda a banda inglesa Incognito desde sua formação, no início dos anos 80.
Persistente, o guitarrista nascido nas ilhas Maurício, com o nome de Jean-Paul Maunick, é hoje o único remanescente das várias formações do grupo. Esperou 12 anos até ver sua paixão pela fusão dançante do jazz-funk transformar-se em sucesso nos EUA, Japão e Europa.
A carreira de Bluey deu um salto quando o Incognito gravou "Don't you Worry 'bout a Thing", de Stevie Wonder. A banda vendeu mais de um milhão de cópias do álbum "Tribes, Vibes and Scribes" (92).
"Não pretendo dormir nenhum dos dias em que estiver no Brasil", diz o guitarrista, animado com sua primeira visita ao país. Embora ainda não seja um conhecedor mais profundo da música brasileira, intenção não falta.
No ano passado, ao saber da morte do pianista carioca Luiz Eça, Bluey dedicou a ele a faixa "Barumba", incluída no álbum "100º and Rising". "A música brasileira é uma celebração à vida", diz o guitarrista.
Leia trechos da entrevista que o líder do Incognito concedeu à Folha, anteontem, em Londres.
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Folha - Após o sucesso de "Don't You Worry 'Bout a Thing", você foi convidado por Stevie Wonder e George Benson a colaborar com eles. Como foi essa experiência?
Bluey - Quando comecei a tocar profissionalmente, nos anos 70, se alguém me dissesse que eu trabalharia com George Benson, Stevie Wonder, Chaka Khan, Marcus Miller ou Dianne Reeves, eu diria que o sujeito estava sonhando. Só o fato de encontrar com eles já me deixaria muito feliz.
Folha - Parece que você teve problemas com a música, na infância...
Bluey - Sim. Minha mãe era muito religiosa e não aceitava que eu deixasse de ir à igreja para tocar em clubes. Ela achava que o diabo tinha se apossado da minha alma. Dizia que eu fazia música para o demônio (risos).
Folha - Quais foram seus primeiros ídolos musicais?
Bluey - Aos 5 anos, decidi que queria ser músico. Em vez de jogar futebol, tentava convencer meus amigos a formar uma banda. Quando mudei para a Inglaterra, no primeiro concerto de rock que assisti conheci Jimi Hendrix. Foi um choque, que me fez perceber logo que eu jamais poderia ser um herói da guitarra, como ele.
Folha - Foi seu único ídolo?
Bluey - Depois do rock comecei a me interessar pela soul music. Ouvi muito Stevie Wonder, até conhecer Herbie Hancock, que me mostrou o tipo de fusão que eu queria fazer. No Incognito, podemos tocar qualquer coisa com influência do soul, do jazz ou da música latina, mas o baixo e a bateria têm sempre que soar "funky".
Folha - O que você acha do atual revival do soul, inclusive entre músicos de jazz, como John Scofield?
Bluey - Para mim, o soul e o jazz sempre estiveram ligados. Assim como o soul, o jazz também já foi música para dançar. Quando a música tem raízes culturais, ela não morre. Alguns músicos estão sempre procurando coisas diferentes e esses que redescobriram o jazz-soul vão partir para outra, em dois ou três anos. Mas esse não é o meu caso. Toco assim desde os anos 70 e não me preocupo se minha música está na moda ou não.
Folha - Nos anos 60, músicos de jazz-soul, como Les McCann, foram bastante atacados pelos puristas. Você também já sentiu esse tipo de preconceito musical?
Bluey - Felizmente, não tanto como McCann. Mas o que é o preconceito? É o medo do desconhecido. Essas pessoas não conhecem o que estamos tocando e têm medo. Por isso não gostam.
Folha - Você conhece bem a música brasileira?
Bluey - Não sei citar nomes, mas ouvi na casa de Gilles Peterson. A música brasileira é uma celebração à vida.
Folha - O Incognito já gravou outro álbum após "Remixed"?
Bluiet - Sai no próximo mês e será um disco bem diferente.

O jornalista CARLOS CALADO viajou a convite da organização do festival.

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